Introdução & Nomenclatura do Capim-pente
Na vasta e muitas vezes subestimada beleza das gramíneas nativas, existem espécies que são verdadeiras obras de arte, esculturas vivas que dançam com a brisa. O Capim-pente, de nome científico Ctenium cirrosum, é uma dessas obras-primas. Seu nome popular é uma tradução literal e perfeita de sua forma: sua inflorescência é uma espiga unilateral, com as pequenas flores (espiguetas) arranjadas de um só lado, como os dentes de um pente fino e delicado. Outro de seus nomes, Enroladinho, captura um detalhe ainda mais sutil: as longas e finas aristas (cerdas) que emergem de cada flor, muitas vezes se curvando e se enrolando com uma graça singular. É uma planta que nos convida a abandonar a visão panorâmica e a nos aproximarmos para admirar a perfeição de seu design, uma joia da engenharia e da beleza do mundo vegetal.
O nome científico, Ctenium cirrosum (Nees) Kunth, é um poema botânico em duas palavras. O gênero, *Ctenium*, vem do grego *ktenion*, o diminutivo de *kteis*, que significa “pente”, uma homenagem direta à sua inflorescência penteada. O epíteto específico, *cirrosum*, vem do latim *cirrus*, que significa “cacho de cabelo” ou “gavinha”, uma referência às suas longas aristas recurvadas e enroladas. A ciência, neste caso, não poderia ter sido mais poética: temos aqui “o pequeno pente de cachos”. Esta planta é um lembrete de que a precisão científica e a beleza da linguagem podem andar de mãos dadas, revelando a essência de um ser em sua própria nomenclatura.
O Capim-pente é uma espécie nativa de uma vasta área das Américas, mas tem no Brasil um de seus mais importantes e vastos domínios. É uma planta emblemática do bioma Cerrado, mas sua adaptabilidade a permite habitar os campos abertos da Mata Atlântica, da Caatinga e até mesmo enclaves de savana na Amazônia. É uma especialista em solos pobres e ensolarados, uma verdadeira filha dos campos brasileiros. Ter uma semente de *Ctenium cirrosum* em mãos é ter a promessa de cultivar uma das mais ornamentais e elegantes gramíneas da nossa flora, uma planta que é um testemunho da beleza que reside na simplicidade, na forma e no movimento.
Sua presença na paisagem é um espetáculo de leveza. As touceiras, com suas folhas finas, e as hastes florais, com suas espigas curvas que parecem flutuar, conferem ao ambiente um dinamismo e uma textura únicos. Ao contrário de gramíneas mais robustas e de aparência pesada, o Capim-pente é pura graça. Ele não domina a paisagem pela força, mas a embeleza com sua delicadeza. É um exemplo de como, mesmo no ambiente muitas vezes rústico do Cerrado, a evolução pode produzir formas de uma sofisticação e de uma elegância extremas. Cada espiga que balança ao vento é uma pincelada de arte na imensa tela dos campos do Brasil, um convite à contemplação e à valorização da biodiversidade em suas formas mais sutis e refinadas.
Aparência: Como reconhecer o Capim-pente?
Reconhecer o Capim-pente é identificar a elegância de sua forma e a beleza de sua inflorescência única. A Ctenium cirrosum é uma erva perene que cresce em touceiras densas e eretas (cespitosa), com colmos (caules) finos que podem atingir de 80 a 110 cm de altura. Sua força e perenidade vêm de um sistema de rizomas subterrâneos que a ancora ao solo e lhe permite rebrotar com vigor após a seca ou o fogo, formando colônias que se espalham pela paisagem campestre. A base da planta é robusta, sustentando as hastes delicadas que se erguerão para o céu.
As folhas são longas e finas, com lâminas que podem ser planas, especialmente as da base da touceira, que frequentemente são recurvadas, ou seja, se curvam graciosamente para trás em direção ao solo, uma característica que deu nome à variedade *recurvata* (hoje sinônimo). As folhas superiores, ao longo do colmo, são mais retas e muitas vezes enroladas para economizar água. Elas formam uma massa de folhagem densa e de textura fina na base da planta, de onde emergem as hastes florais.
A inflorescência é a sua característica mais espetacular e a origem de seu nome. No topo de uma longa haste, surge uma única (raramente duas) espiga terminal, longa e delgada. A espiga é unilateral e geralmente curva, como um arco ou um pente de cabelo antigo. As espiguetas (as unidades que contêm as flores) estão dispostas em duas fileiras, todas voltadas para o mesmo lado da raque (o eixo central), reforçando a aparência de um pente. Esta estrutura já é, por si só, de uma beleza geométrica notável.
Mas o grande toque de arte está nas aristas. De cada espigueta, emerge uma ou mais aristas (cerdas) longas e finas, sendo a arista do segundo lema a mais proeminente, podendo atingir de 3 a 5 cm de comprimento. Estas aristas, de cor dourada ou purpúrea, são frequentemente curvadas ou enroladas (*cirrosum*), e se projetam para fora da espiga, conferindo-lhe uma aparência plumosa, delicada e “despenteada”. É como se o “pente” estivesse adornado com longos e finos cachos. Quando a inflorescência é iluminada pela luz do sol, especialmente no amanhecer ou no entardecer, estas aristas brilham, criando um halo de luz dourada ao redor da espiga, um efeito de uma beleza extraordinária.
As flores, como em todas as gramíneas polinizadas pelo vento, são minúsculas e desprovidas de beleza individual. O fruto é uma cariopse (um grão), que permanece protegido dentro da espigueta. A unidade de dispersão é a própria espigueta, com suas longas aristas, uma obra de arte funcional projetada para viajar com o vento e para se prender ao pelo dos animais, garantindo a perpetuidade desta beleza campestre.
Ecologia, Habitat & Sucessão do Capim-pente
A ecologia da Ctenium cirrosum é a de uma especialista em ambientes abertos, uma gramínea que é um pilar dos ecossistemas de campo do Brasil. Seu habitat preferencial são as formações de Campo Limpo e Campo Rupestre dentro do bioma Cerrado, mas sua adaptabilidade a permite ocupar também as áreas de campo da Mata Atlântica, as clareiras na Caatinga e as savanas da Amazônia. É uma planta que prospera em solos pobres, arenosos ou pedregosos, e que necessita de sol pleno para completar seu ciclo de vida.
Sua relação com o fogo é uma aliança de sobrevivência e de estímulo. O Capim-pente é uma pirófita, uma planta que evoluiu para conviver com os incêndios. Seu sistema de rizomas subterrâneos a protege do calor, permitindo uma rebrota rápida e vigorosa após a passagem das chamas. O fogo, ao eliminar a competição e ao abrir espaço no solo, muitas vezes estimula uma floração mais intensa e a germinação de suas sementes, sendo um fator fundamental na dinâmica de suas populações.
Na dinâmica de sucessão, o Capim-pente é um membro permanente e essencial da comunidade clímax dos ecossistemas campestres. Ele não é uma etapa de transição para uma floresta, mas sim um dos principais componentes que definem a estrutura, a função e a resiliência destes ambientes abertos. Sua presença é um indicador de um campo nativo bem conservado.
Sua biologia reprodutiva é uma lição de eficiência. A polinização é realizada pelo vento (anemofilia). A dispersão de suas sementes é uma estratégia mista e engenhosa. As longas e finas aristas que adornam a espigueta funcionam como uma vela, aumentando a sua área de superfície e facilitando a sua dispersão pelo vento (anemocoria). Esta mesma arista, longa e muitas vezes recurvada, funciona como um gancho, prendendo-se com extrema facilidade ao pelo de animais que atravessam os campos (epizoocoria). O Capim-pente viaja tanto com o vento quanto de carona com a fauna, uma dupla estratégia que explica sua ampla distribuição. Além disso, a arista pode ter uma função higroscópica, movendo-se com a umidade e ajudando a enterrar a semente no solo, como em sua prima, a *Aristida*.
Usos e Aplicações do Capim-pente
O Capim-pente é uma gramínea de uma beleza tão singular que suas aplicações se concentram em seu imenso valor ornamental e em seu papel fundamental como uma forrageira de qualidade e como restauradora de ecossistemas. Os usos da Ctenium cirrosum a consagram como uma das mais promissoras gramíneas nativas para o futuro do paisagismo e da pecuária sustentável no Brasil.
Seu uso mais nobre e de maior potencial é o ornamental. A Ctenium cirrosum é uma gramínea de classe mundial para o paisagismo, embora ainda seja pouco conhecida e utilizada. Sua forma de touceira elegante, suas hastes florais graciosas e, principalmente, suas inflorescências em forma de pente com longas aristas douradas, a tornam uma escolha perfeita para jardins naturalistas e de inspiração em prados ou campos nativos. Ela adiciona textura, movimento e um brilho especial ao jardim, especialmente quando plantada em maciços, onde o efeito do vento sobre suas inflorescências cria um espetáculo de ondas douradas. Suas espigas secas também são muito duráveis e belas em arranjos florais.
Seu valor como planta forrageira é muito significativo. O Capim-pente é considerado uma forrageira nativa de boa qualidade, sendo bem aceita pelo gado, especialmente durante a estação de crescimento. Sua importância reside no fato de compor a base da alimentação dos rebanhos em pastagens nativas do Cerrado, sendo uma opção resiliente e adaptada às condições locais, que não exige os insumos e os cuidados que os capins exóticos demandam. É um pilar para uma pecuária mais sustentável e integrada ao ambiente.
O seu papel ecológico na restauração de ecossistemas campestres degradados é fundamental. Por ser uma espécie nativa, adaptada aos solos pobres e ao fogo, seu plantio é essencial para a recuperação da biodiversidade e da funcionalidade dos campos e cerrados. Ela ajuda a proteger o solo contra a erosão e a recriar o habitat para a fauna nativa, que dela depende para alimento e abrigo.
Cultivo & Propagação do Capim-pente
Cultivar o Capim-pente é trazer para o jardim a beleza selvagem e o movimento dos campos brasileiros. A propagação da Ctenium cirrosum, seja por sementes ou pela divisão de touceiras, é um processo relativamente simples, que permite a qualquer entusiasta da flora nativa cultivar esta joia ornamental.
A propagação por sementes é o método mais comum para grandes áreas. A coleta deve ser feita quando as inflorescências estão secas e de cor palha, e as espiguetas se desprendem com facilidade. As sementes (as espiguetas com suas aristas) geralmente não apresentam dormência profunda e germinam bem. A semeadura deve ser feita em um substrato arenoso e bem drenado, que imite as condições do Cerrado. As sementes devem ser espalhadas na superfície e cobertas com uma camada muito fina de areia, pois podem necessitar de luz para germinar. A umidade deve ser mantida de forma constante, mas sem encharcamento.
A divisão de touceiras é um método de propagação vegetativa muito eficiente para o uso em jardins. As touceiras podem ser desenterradas, divididas em seções menores com raízes e parte aérea, e replantadas diretamente no local definitivo. Este método garante um estabelecimento muito rápido da planta.
A Ctenium cirrosum é uma planta que exige pleno sol para prosperar. O crescimento é moderado a rápido, e a planta forma touceiras densas e estabelecidas em uma a duas estações de crescimento. Uma vez estabelecida, ela é extremamente resistente à seca e ao calor, exigindo pouquíssima manutenção. É a planta ideal para um jardim de baixa manutenção e de alta beleza natural.
O plantio do Capim-pente é ideal para a restauração de campos nativos, para a formação de pastagens nativas resilientes e, principalmente, para o paisagismo, na criação de canteiros de gramíneas ornamentais que trazem um pedaço da beleza e da dinâmica do Cerrado para mais perto de nós.
Referências utilizadas para o Capim-pente
Esta descrição detalhada da Ctenium cirrosum foi construída com base em fontes científicas de alta credibilidade, incluindo revisões taxonômicas do gênero e manuais de referência sobre a flora dos campos do Brasil. O objetivo foi criar um retrato completo que celebra a beleza ornamental, a importância forrageira e a engenhosidade ecológica desta gramínea tão especial. As referências a seguir são a base de conhecimento que sustenta esta narrativa.
• Longhi-Wagner, H.M. Ctenium in Flora e Funga do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em: <https://florabrasil.jbrj.gov.br/FB13142>. Acesso em: 25 jul. 2025. (Fonte primária para dados taxonômicos, morfológicos e de distribuição oficial).
• Longhi-Wagner, H.M. 1999. O gênero *Ctenium* (Poaceae) no Brasil. Boletim do Instituto de Botânica, 12, 113-179. (A mais completa revisão do gênero para o Brasil, fundamental para esta descrição).
• Filgueiras, T.S. 2009. Poaceae. In: Giulietti, A.M., et al. (orgs.). Plantas raras do Brasil. Conservação Internacional, Belo Horizonte, pp. 331-349. (Contextualização da família Poaceae no Brasil).
• Klink, C.A. & Machado, R.B. 2005. A conservação do Cerrado brasileiro. Megadiversidade, 1(1), 147-155. (Contexto sobre a importância das gramíneas na ecologia e restauração do Cerrado).
• Allem, A.C. & Valls, J.F.M. 1987. Recursos forrageiros nativos do Pantanal Matogrossense. Embrapa-CENARGEN, Brasília. (Documenta a importância de gramíneas nativas como forrageiras).
• Kunth, C.S. 1831. Révision des Graminées, vol. 2, p. 445, t. 136. (Publicação onde a combinação *Ctenium cirrosum* foi estabelecida).













