Introdução & Nomenclatura do Cedro-rosa
Existe um aroma que, para muitos brasileiros, é o perfume da tradição: o cheiro adocicado e inconfundível que emana de um armário antigo, de uma caixa de violão ou de um baú de tesouros herdado dos avós. Este é o perfume do Cedro-rosa, de nome científico Cedrela fissilis. Parente próximo do célebre Mogno, o Cedro-rosa é uma das madeiras mais preciosas e historicamente importantes do Brasil. É uma árvore que se tornou sinônimo de marcenaria fina, de durabilidade e de um status de nobreza. Mas, assim como seu primo, sua fama teve um custo alto, e a história do Cedro-rosa é também uma crônica de exploração que hoje nos conclama a sermos os guardiões de sua restauração.
O nome científico, Cedrela fissilis Vell., é uma bela história de analogia botânica. O gênero, *Cedrela*, é o diminutivo de *Cedrus*, o gênero dos cedros verdadeiros do Velho Mundo. Os primeiros naturalistas europeus, ao se depararem com esta árvore e sentirem o perfume de sua madeira, viram nela uma versão tropical de seus cedros, e a batizaram de “pequeno cedro”. O epíteto específico, *fissilis*, vem do latim e significa “que se pode fender ou dividir”, uma referência à sua madeira, que é de excelente trabalhabilidade e fácil de ser lavrada. O nome popular, Cedro-rosa, descreve perfeitamente a coloração rosada a avermelhada de seu cerne.
O Cedro-rosa é o viajante botânico por excelência, o maior generalista de nossas florestas. É uma das poucas e mais espetaculares espécies de árvores a ter ocorrência nativa confirmada em todos os seis biomas brasileiros: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal. Esta capacidade de adaptação a climas e solos tão radicalmente distintos é um testemunho de sua incrível diversidade genética e de sua força vital. É a árvore que une o Brasil de ponta a ponta. Ter uma semente de Cedro-rosa em mãos é ter a promessa de cultivar uma das mais rápidas, úteis e emblemáticas árvores do nosso país, um verdadeiro patrimônio nacional que precisa ser semeado de volta em nossas paisagens.
Aparência: Como reconhecer o Cedro-rosa?
Reconhecer um Cedro-rosa é identificar um gigante da floresta, uma árvore de porte majestoso e de características que a tornam inconfundível. A Cedrela fissilis é uma árvore de grande porte, que pode atingir de 20 a 40 metros de altura, com um tronco reto, robusto e cilíndrico, que em indivíduos mais velhos pode apresentar sapopembas na base. A copa é alta, ampla e umbeliforme (em forma de guarda-chuva), proporcionando uma sombra vasta. A casca é grossa, de cor acinzentada, e profundamente fissurada em um padrão reticulado, que se torna mais pronunciado com a idade.
A folhagem do Cedro-rosa é exuberante e ornamental. As folhas são compostas e paripinadas, muito grandes, podendo atingir quase 1 metro de comprimento. Elas são formadas por 10 a 17 pares de folíolos grandes, de formato oblongo a lanceolado. A face inferior dos folíolos é densamente pubescente, coberta por uma fina camada de pelos que lhe confere uma textura macia. A árvore é decídua, perdendo suas folhas durante o inverno, um evento que geralmente precede a floração. O aroma de cedro, embora mais sutil que na madeira, pode ser percebido ao se macerar as folhas.
As flores são pequenas e discretas, mas produzidas em uma abundância espetacular. Elas se agrupam em grandes panículas terminais, que são cachos ramificados e pendentes que podem medir mais de 40 cm de comprimento. As flores individuais são de cor branco-esverdeada ou amarelada, com um perfume suave. A floração do Cedro-rosa é um evento de grande importância ecológica, oferecendo uma vasta quantidade de recursos para os polinizadores noturnos.
O fruto é uma de suas características mais marcantes. É uma grande cápsula lenhosa, de formato obovoide a piriforme (semelhante a uma pera), que pende dos ramos. Medindo de 5 a 11 cm de comprimento, o fruto, quando maduro e seco, se abre a partir do ápice para baixo, dividindo-se em cinco valvas que se curvam para trás, como as pétalas de uma estrela de madeira. Esta abertura expõe o interior do fruto, onde as sementes estão perfeitamente arranjadas.
As sementes estão dispostas em colunas ao redor de um eixo central. Cada semente é provida de uma longa asa membranosa, de cor castanha. São sementes grandes, leves e perfeitamente projetadas para o voo, prontas para serem liberadas do alto da copa em uma chuva que garantirá a conquista de novos territórios.
Ecologia, Habitat & Sucessão do Cedro-rosa
A ecologia da Cedrela fissilis é a de um mestre da colonização em grande escala, uma espécie que personifica a resiliência e a capacidade de regeneração das florestas brasileiras. Sua presença em todos os seis biomas – da Floresta Amazônica aos Campos do Pampa – é um fenômeno que a consagra como a mais adaptável das grandes árvores de nossa flora. Ela prospera em uma vasta gama de ambientes, desde as florestas úmidas e pluviais até as florestas estacionais e deciduais, e as matas de galeria que cortam o Cerrado e a Caatinga.
Na dinâmica de sucessão ecológica, o Cedro-rosa é uma espécie pioneira e secundária inicial por excelência. É uma árvore de crescimento muito rápido, que necessita de luz para se desenvolver. Esta característica a torna uma colonizadora nata de grandes clareiras, áreas desmatadas e campos abandonados. Seu ciclo de vida é projetado para a oportunidade: suas sementes aladas viajam longas distâncias, e ao encontrar um ambiente aberto e ensolarado, a jovem planta dispara em direção ao céu, estabelecendo rapidamente uma nova cobertura florestal e criando as condições para a chegada de outras espécies.
As interações com a fauna são focadas em sua reprodução eficiente. A polinização de suas pequenas flores, que se abrem ao entardecer e à noite, é realizada principalmente por insetos noturnos, como mariposas, que são atraídas pelo perfume e pelo néctar. A dispersão de suas sementes é uma magnífica parceria com o vento. A estratégia é a anemocoria. No alto de sua copa, as grandes cápsulas se abrem e liberam suas sementes aladas. A asa membranosa permite que elas planem e girem, sendo carregadas pelas correntes de ar por distâncias de centenas de metros. Esta dispersão a longa distância é o segredo de sua incrível capacidade de colonizar vastos e diversos territórios.
No entanto, a ecologia do Cedro-rosa é marcada por uma interação dramática com um inseto específico: a broca-do-cedro, a larva da mariposa Hypsipyla grandella. Este inseto ataca o broto terminal das árvores jovens, causando sua morte e forçando a árvore a bifurcar. Este ataque, que raramente mata a árvore, compromete a formação de um fuste reto e longo, sendo o maior desafio para seu cultivo comercial e para sua regeneração em áreas abertas.
Usos e Aplicações do Cedro-rosa
O Cedro-rosa é, historicamente, uma das árvores mais importantes e valiosas do Brasil, uma fonte de madeira nobre que construiu cidades, mobiliou casas e deu som à nossa música. Suas aplicações refletem as qualidades superlativas de sua madeira e seu imenso potencial para a restauração florestal.
Seu uso mais nobre e consagrado é na madeira. A madeira do Cedrela fissilis é mundialmente apreciada por uma combinação única de qualidades: é leve, macia, de alta estabilidade dimensional, fácil de trabalhar e, acima de tudo, naturalmente durável e perfumada. Sua bela coloração rosada a castanho-avermelhada e seu aroma característico, que atua como um repelente natural de insetos, a tornaram a madeira de escolha para a marcenaria de luxo. É utilizada na fabricação de móveis finos, armários embutidos (cujo interior perfumado protege as roupas de traças), portas, janelas e painéis decorativos. Na luteria, é uma madeira essencial, usada para a confecção de braços de violões e guitarras e para o corpo de instrumentos. Sua leveza e resistência também a tornaram valiosa na construção de barcos e em esculturas.
A consequência desta grande demanda foi a exploração predatória ao longo de séculos, que reduziu drasticamente suas populações naturais. Hoje, o Cedro-rosa está listado como **Vulnerável (VU) na Lista Vermelha da IUCN**, e grande parte da madeira comercializada provém de plantios manejados.
O uso ecológico da espécie é hoje sua aplicação mais urgente e promissora. Por ser uma pioneira de crescimento muito rápido e adaptada a todos os biomas brasileiros, o Cedro-rosa é uma espécie-chave para a restauração de áreas degradadas em larga escala em todo o país. É uma das árvores mais plantadas em projetos de reflorestamento, tanto para fins de conservação quanto para a formação de sistemas agroflorestais.
Na medicina popular, a casca e as folhas do Cedro-rosa, por serem amargas e adstringentes, são utilizadas em chás como febrífugo e para o tratamento de dores e inflamações.
Cultivo & Propagação do Cedro-rosa
Cultivar um Cedro-rosa é um dos atos mais eficientes e gratificantes de reflorestamento. A propagação da Cedrela fissilis é simples, seu crescimento é veloz, e o retorno, seja em madeira, em beleza ou em serviços ecossistêmicos, é imenso. É uma espécie estratégica para o futuro florestal do Brasil.
O ciclo começa com a coleta das sementes, que deve ser feita quando as cápsulas lenhosas estão maduras e se abrem na árvore, liberando as sementes aladas. As sementes de Cedro-rosa não apresentam dormência e possuem uma alta taxa de germinação quando frescas. Elas podem ser armazenadas por alguns meses em condições de baixa umidade e temperatura.
A semeadura pode ser feita em sementeiras, tubetes ou sacos de mudas, utilizando um substrato bem drenado. As sementes devem ser cobertas com uma fina camada de terra. A germinação é rápida, ocorrendo em 10 a 20 dias. As mudas de Cedro-rosa apresentam um crescimento extremamente rápido e devem ser cultivadas a pleno sol. Em apenas 3 a 4 meses, as mudas já atingem o porte ideal para o plantio no campo (30-50 cm).
O grande desafio no cultivo do Cedro-rosa, como já mencionado, é a broca-do-cedro (*Hypsipyla grandella*). O plantio em monocultivo é altamente suscetível ao ataque da praga, o que torna os projetos comercialmente inviáveis em muitas regiões. A solução mais eficaz é o plantio em sistemas mistos e diversificados, como os sistemas agroflorestais (SAFs) ou o enriquecimento de capoeiras. Ao ser plantado junto com outras espécies, a pressão da praga é drasticamente reduzida, permitindo que as árvores cresçam saudáveis e com um fuste reto.
O plantio da Cedrela fissilis é, portanto, ideal para reflorestamentos em larga escala, para a recuperação de áreas degradadas em todos os biomas brasileiros, para a composição de SAFs e para a produção de madeira em sistemas manejados e diversificados. É uma árvore que nos ensina a plantar florestas, e não apenas árvores.
Referências utilizadas para o Cedro-rosa
Esta descrição detalhada da Cedrela fissilis foi construída com base em fontes científicas de alta credibilidade e na vasta documentação sobre a silvicultura, os usos e a importância ecológica desta árvore tão emblemática. O objetivo foi criar um retrato completo que celebra sua nobreza e alerta para os desafios de sua conservação e cultivo. As referências a seguir são a base de conhecimento que sustenta esta narrativa.
• Flores, T.B. Meliaceae in Flora e Funga do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em: <https://florabrasil.jbrj.gov.br/FB9990>. Acesso em: 23 jul. 2025. (Fonte primária para dados taxonômicos, morfológicos e de distribuição oficial).
• Pennington, T.D. & Muellner, A.N. 2010. A Monograph of *Cedrela* (Meliaceae). DH Books, Milborne Port. (A mais completa e recente revisão do gênero, fundamental para esta descrição).
• Lorenzi, H. 1992. Árvores Brasileiras: Manual de Identificação e Cultivo de Plantas Arbóreas Nativas do Brasil, Vol. 1. 1ª ed. Editora Plantarum, Nova Odessa, SP. (Fonte essencial para informações práticas sobre cultivo, usos e características gerais).
• Carvalho, P.E.R. 2003. Espécies Arbóreas Brasileiras, Vol. 1. Embrapa Informação Tecnológica, Brasília, DF. (Compêndio detalhado da Embrapa com informações silviculturais, ecológicas e sobre a broca-do-cedro).
• IUCN Red List of Threatened Species. *Cedrela fissilis*. (Fonte oficial para o status de conservação da espécie).
• Newton, A.C., et al. 1993. The ecology and pest problems of mahogany (*Swietenia*) in Central America. In: Tropical trees: the potential for domestication and the rebuilding of forest resources. HMSO, London. pp. 106-120. (Referência que contextualiza o desafio da broca *Hypsipyla*, que ataca tanto o Mogno quanto o Cedro).














