Introdução & Nomenclatura do Capim-fubá
Na vasta e complexa tapeçaria dos ecossistemas brasileiros, as gramíneas são os fios que tecem a base de tudo. Elas cobrem os campos, protegem o solo e iniciam o ciclo da vida em terras nuas. Dentro deste universo de fios verdes, o gênero Eragrostis se destaca por sua delicadeza, sua diversidade e sua presença em todos os cantos do nosso país. Popularmente, muitos de seus representantes são conhecidos como Capim-fubá, um nome de uma simplicidade e de uma precisão admiráveis. “Fubá”, a farinha fina de milho, é uma analogia perfeita para suas inflorescências, que são nuvens etéreas e delicadas, compostas por milhares de espiguetas minúsculas que, ao se desprenderem, parecem uma poeira dourada flutuando no ar. Mas o nome científico do gênero, *Eragrostis*, nos revela uma alma ainda mais poética. Ele foi cunhado a partir do grego, da junção de “eros”, o deus do amor, e “agrostis”, que significa grama. *Eragrostis* é, portanto, o Capim-do-amor. A razão para este nome encantador não é totalmente clara, mas acredita-se que seja uma referência à beleza e à graça de suas inflorescências delicadas, que tremulam ao vento como suspiros de amor na paisagem.
O gênero *Eragrostis* é um dos maiores da família Poaceae, com centenas de espécies espalhadas por todo o mundo, especialmente nas regiões tropicais e subtropicais. No Brasil, ele é representado por mais de 50 espécies nativas, um testemunho de sua incrível capacidade de adaptação e de diversificação. A história taxonômica do gênero é complexa, com muitas espécies sendo reclassificadas ao longo do tempo. A ficha que nos guia hoje nos mostra a riqueza deste grupo, listando dezenas de espécies, desde a comum *Eragrostis ciliaris* até a rara e endêmica *Eragrostis vallsiana*. Estudar o gênero *Eragrostis* é mais do que analisar um grupo de capins; é entender a base sobre a qual se erguem muitos dos nossos ecossistemas. É valorizar os pioneiros, os protetores do solo, as plantas que, com sua beleza discreta e sua força incansável, garantem a saúde e a resiliência das paisagens abertas do Brasil. Cada minúscula semente de um Capim-fubá é uma partícula de amor pela terra, pronta para germinar e tecer um novo pedaço do manto verde que nos sustenta.
Aparência: Como reconhecer o Capim-fubá
A identificação de uma planta do gênero Eragrostis é um exercício de apreciação da delicadeza e da arquitetura das gramíneas. Os capins deste gênero, incluindo os conhecidos como Capim-fubá, são em sua maioria ervas, que podem ser anuais, de ciclo de vida curto, ou perenes, que vivem por vários anos formando touceiras. O porte é muito variável, desde espécies pequenas e rasteiras com poucos centímetros de altura, até espécies robustas que podem ultrapassar 1 metro. Em geral, crescem formando touceiras (hábito cespitoso), com folhas finas e lineares que se concentram na base da planta.
A característica mais marcante e que unifica visualmente o gênero é a sua inflorescência. Quase todas as espécies de *Eragrostis* produzem uma panícula, que é um tipo de cacho de flores muito ramificado e geralmente de aparência aberta, laxa e delicada. Esta panícula é o que confere à planta seu aspecto de “nuvem” ou “névoa”. A panícula é composta por centenas ou milhares de pequenas unidades chamadas espiguetas. As espiguetas do gênero *Eragrostis* são muito características: são pequenas, lateralmente achatadas e possuem múltiplas flores (plurifloras). A cor das espiguetas pode variar muito, do verde ao palha, passando por tons de roxo, cinza ou dourado, mas elas raramente são de cores muito vibrantes. O que lhes confere a beleza é a sua quantidade e a sua delicadeza. Quando a luz do sol atravessa uma panícula de *Eragrostis*, ela cria um efeito de brilho difuso, como se a planta estivesse envolta em um halo luminoso. Ao amadurecerem, as espiguetas se desarticulam de uma forma peculiar, liberando os grãos (as sementes) e deixando para trás as duas brácteas da base (as glumas), o que ajuda na identificação do gênero. A aparência geral de um Capim-fubá em flor é, portanto, a de uma planta que parece mais ar do que matéria, uma escultura de fios e de pontos de luz que dança e se transforma com a mais leve brisa.
Ecologia, Habitat & Sucessão do Capim-fubá
A ecologia do gênero Eragrostis é a de um grupo de conquistadores, de especialistas na arte da colonização e da sobrevivência. Os capins conhecidos como Capim-fubá são a personificação da resiliência. O gênero, como um todo, exibe uma plasticidade ecológica fenomenal, o que explica sua presença em todos os seis biomas brasileiros: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal. Esta onipresença é um feito que pouquíssimos gêneros de plantas conseguem alcançar. Eles são mestres em habitar ambientes abertos e ensolarados, desde os campos secos e arenosos do Cerrado e da Caatinga, passando pelos campos de altitude da Mata Atlântica, até as áreas sazonalmente inundadas do Pantanal e os campos de várzea da Amazônia. Muitas espécies do gênero são ruderais, ou seja, prosperam em ambientes perturbados pela ação humana, sendo presença constante em beiras de estradas, terrenos baldios e lavouras.
No grande processo de sucessão ecológica, as espécies de *Eragrostis* são pioneiras por excelência. Elas são a infantaria da regeneração, as primeiras a chegar em um solo nu e exposto. Sua estratégia de vida é baseada na produção massiva de sementes minúsculas e leves, que são dispersas pelo vento (anemocoria) e pela água, e que podem formar um banco de sementes duradouro no solo. Ao germinarem, elas rapidamente formam uma cobertura vegetal que desempenha um papel ecológico de valor incalculável: a proteção do solo contra a erosão. Seu sistema radicular fino e denso amarra as partículas do solo, e sua parte aérea amortece o impacto das gotas de chuva. Elas são as primeiras curadoras da terra ferida. A polinização é feita pelo vento, e o ciclo de vida de muitas espécies anuais é muito rápido, permitindo que colonizem um ambiente, produzam sementes e garantam a próxima geração em uma única estação. Além de seu papel estrutural, as sementes do Capim-fubá são uma fonte de alimento vital para a fauna granívora, como pequenos pássaros e formigas. O Capim-do-amor é, portanto, um dos alicerces mais importantes e discretos da vida em nossos ecossistemas.
Usos e Aplicações do Capim-fubá
O gênero Eragrostis, com sua vasta diversidade de espécies, oferece um leque de aplicações que vão da alimentação humana e animal à restauração de paisagens e ao paisagismo. Embora muitos dos capins conhecidos como Capim-fubá sejam de pequeno porte, o gênero como um todo tem uma grande importância como planta forrageira. Algumas espécies, como a *Eragrostis curvula* (Capim-chorão), que é uma espécie exótica, são amplamente cultivadas como pastagem de alta qualidade em muitas partes do mundo. Diversas espécies nativas do Brasil também são componentes importantes das pastagens naturais, sendo consumidas pelo gado.
O uso mais nobre e talvez mais surpreendente do gênero *Eragrostis* é como fonte de alimento humano. Uma espécie africana, a Eragrostis tef, conhecida como Teff, é um dos mais antigos grãos cultivados pela humanidade e é o alimento base da dieta na Etiópia e na Eritreia, usado para fazer o pão tradicional injera. O Teff é um grão minúsculo, mas extremamente nutritivo e, o mais importante, livre de glúten, o que o tornou um “supergrão” muito procurado no mercado de alimentos saudáveis em todo o mundo. Este uso nos mostra o imenso potencial que pode estar escondido nas sementes de nossas próprias espécies nativas de *Eragrostis*. Na restauração ecológica, o papel das espécies de *Eragrostis* é fundamental. Por serem pioneiras agressivas, elas são semeadas em áreas degradadas para fornecer uma cobertura vegetal rápida, estabilizar o solo e iniciar o processo de sucessão. No paisagismo, a beleza etérea das panículas de muitas espécies de *Eragrostis* é cada vez mais valorizada. Elas são utilizadas em jardins de estilo naturalista para criar um efeito de névoa ou de nuvem, adicionando textura, movimento e um brilho suave aos canteiros. A decisão de cultivar um Capim-fubá ou outro *Eragrostis* é uma escolha pela beleza funcional. É plantar um protetor do solo, um potencial alimento e uma obra de arte que dança com o vento.
Cultivo & Propagação do Capim-fubá
O cultivo dos capins do gênero Eragrostis, incluindo o Capim-fubá, é geralmente um processo muito simples, refletindo sua natureza de plantas pioneiras e rústicas. A propagação é feita principalmente por sementes, que são produzidas em quantidades enormes e são o veículo de sua estratégia de colonização. As sementes são extremamente pequenas, finas como poeira ou fubá, o que exige um certo cuidado no manuseio. A coleta deve ser feita quando as panículas estão maduras e secas, começando a se desintegrar. Pode-se sacudir a inflorescência dentro de um saco de papel para coletar as sementes que se soltam.
As sementes de *Eragrostis* geralmente não apresentam dormência e germinam com grande facilidade. A chave para o sucesso é a luz. A semeadura deve ser feita na superfície de um substrato bem drenado. As sementes não devem ser enterradas; basta pressioná-las levemente contra o solo para garantir um bom contato. Para facilitar a distribuição uniforme de sementes tão pequenas, pode-se misturá-las com areia fina antes de espalhar. O local deve ser de sol pleno, e o substrato deve ser mantido úmido durante a fase de germinação, preferencialmente com o uso de um borrifador para não deslocar as sementes. A germinação é muito rápida, ocorrendo em poucos dias a duas semanas. O desenvolvimento das plântulas também é acelerado. Para as espécies perenes, que formam touceiras, a divisão de touceiras é um método de propagação vegetativa muito fácil e eficiente. Basta desenterrar uma touceira saudável e dividi-la em mudas menores, que podem ser replantadas. A maioria das espécies de *Eragrostis* é extremamente rústica e não exige solos férteis ou cuidados especiais. Sua principal exigência é o sol. São plantas perfeitas para iniciar a cobertura de um terreno, para compor um jardim de baixa manutenção ou para quem deseja simplesmente observar de perto a beleza simples e resiliente de um dos mais importantes grupos de plantas do planeta.
Referências
• Boechat, S. de C., & Longhi-Wagner, H. M. (2001). O gênero *Eragrostis* (Poaceae) no Brasil. *Iheringia, Série Botânica*, 55, 23-169. (Nota: A principal monografia de referência para o gênero no Brasil).
• Flora e Funga do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em:
• Filgueiras, T. S. (2009). Gramíneas do Cerrado. In S. M. Sano, S. P. de Almeida, & J. F. Ribeiro (Eds.), Cerrado: ecologia e flora. Embrapa Cerrados.
• Renvoize, S.A. (1984). The grasses of Bahia. Royal Botanic Gardens: Kew.
• Artigos científicos sobre a ecologia de gramíneas pioneiras e seu uso em restauração de áreas degradadas e em paisagismo, disponíveis em bases de dados como SciELO e Google Scholar.

















