Introdução & Nomenclatura do Ingá-feijão
Na grande família das leguminosas, existe um gênero que é sinônimo de doçura, sombra e fertilidade: o gênero *Inga*. E dentro deste clã magnífico, a Inga cylindrica, conhecida popularmente como Ingá-feijão, se destaca como uma das mais versáteis e trabalhadoras. Seu nome popular é uma descrição perfeita: “Ingá” vem do Tupi *in-gá*, que significa “embebido” ou “ensopado”, uma alusão à polpa branca e aquosa que envolve suas sementes; e “feijão”, uma referência ao formato de sua vagem, longa e achatada como a de um feijão. Mas seus apelidos, como Ingarana ou Ingá-branca, apenas arranham a superfície de sua importância. Esta árvore é um dos pilares da agroecologia e dos sistemas agroflorestais, uma verdadeira “mãe da floresta” que, com seu crescimento rápido, sua capacidade de adubar a terra e sua copa generosa, cria as condições para que todo um ecossistema próspero floresça sob sua proteção.
O nome científico, Inga cylindrica (Vell.) Mart., ancora sua identidade na botânica. O gênero, *Inga*, é a latinização do nome Tupi consagrado pelo uso. O epíteto específico, *cylindrica*, que significa “cilíndrico”, pode parecer curioso para uma árvore de vagens achatadas, mas provavelmente se refere à forma cilíndrica de seus ramos ou da raque foliar, um detalhe observado pelos primeiros botânicos que a descreveram. Ela pertence à subfamília Caesalpinioideae (antiga Mimosoideae), o clã das flores em forma de “pompom”, e é uma das mais de 300 espécies de Ingá que habitam as Américas.
O Ingá-feijão é uma espécie nativa de ampla distribuição, um verdadeiro elo entre os biomas brasileiros. Ela prospera na Amazônia, no Cerrado e na Mata Atlântica, sempre demonstrando sua preferência por solos úmidos e áreas em regeneração, como as matas ciliares e as clareiras. É uma árvore que não espera, ela age. Ter uma semente de Ingá-feijão em mãos é ter a promessa de um crescimento vigoroso, de sombra farta, de frutos doces e, o mais importante, de um solo mais rico e de uma paisagem mais viva.
Aparência: Como reconhecer o Ingá-feijão?
Reconhecer um Ingá-feijão é identificar uma árvore de arquitetura expansiva, de folhas ornamentais e de flores que parecem pincéis de barba celestiais. A Inga cylindrica é uma árvore de porte pequeno a médio, que geralmente atinge de 5 a 15 metros de altura. Sua característica mais marcante é a copa ampla, baixa e muito espalhada, em formato de guarda-chuva. Esta forma a torna uma das mais perfeitas árvores de sombra da nossa flora. O tronco é geralmente curto e os galhos se estendem horizontalmente, cobrindo uma grande área.
As folhas são a assinatura do gênero. Elas são compostas e paripinadas, formadas por 2 a 7 pares de grandes folíolos. Duas características são inconfundíveis: a raque foliar é alada, ou seja, o eixo central que sustenta os folíolos possui expansões laminares verdes, como asas; e entre cada par de folíolos, na raque, encontra-se um nectário extrafloral, uma pequena glândula em formato de disco que secreta um néctar adocicado, atraindo formigas que ajudam a proteger a planta contra herbívoros.
As flores são de uma beleza etérea e delicada. Elas se agrupam em inflorescências do tipo espiga, que se assemelham a um “pompom” ou a um pincel de barba. A beleza da flor não está nas pétalas, que são minúsculas e esverdeadas, mas sim nos numerosos e longos estames brancos, que se projetam para fora e criam este efeito de explosão de fios de seda. As flores são perfumadas, especialmente à noite, e sua floração é um evento que atrai uma grande variedade de polinizadores.
O fruto é a famosa vagem do Ingá-feijão. É um legume deiscente, de formato plano e alongado, que pode atingir de 20 a 50 cm de comprimento, ou até mais. As valvas são de consistência coriácea e, ao contrário de outros ingás, o fruto da *Inga cylindrica* não é aveludado, mas sim glabro (liso). Por dentro, a vagem é dividida em segmentos, cada um abrigando uma semente.
A semente é a portadora do tesouro. Cada semente, de cor escura, é completamente envolta por um arilo, uma polpa branca, suculenta, de textura flocosa como algodão-doce e de sabor adocicado e refrescante. É esta polpa, a “comida” do Ingá, que é tão apreciada pela fauna e pelos humanos, e que dá à planta seu nome Tupi de “fruto ensopado”.
Ecologia, Habitat & Sucessão do Ingá-feijão
A ecologia da Inga cylindrica é um manual de como construir uma floresta. É uma espécie de vocação regeneradora, uma especialista em curar as feridas da paisagem. Seu habitat preferencial são as matas ciliares e de galeria e as clareiras de florestas úmidas nos biomas da Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica. É uma planta que prospera em áreas abertas e ensolaradas, mas que precisa de uma boa dose de umidade no solo para expressar todo o seu vigor.
Na dinâmica de sucessão ecológica, o Ingá-feijão é uma espécie pioneira e secundária inicial por excelência. É uma das árvores de crescimento mais rápido do Brasil. Esta velocidade, aliada à sua capacidade de tolerar solos pobres e de melhorá-los, a torna uma das primeiras a chegar em áreas degradadas. Seu papel é o de uma “árvore-mãe” da sucessão: ela cresce rápido, cria sombra, protege o solo e, o mais importante, fertiliza a terra.
O seu superpoder ecológico é a fixação biológica de nitrogênio. Em simbiose com bactérias do gênero *Rhizobium* em suas raízes, o Ingá é capaz de capturar o nitrogênio do ar (N2), um gás que a maioria das plantas não consegue usar, e transformá-lo em amônia e nitratos, as formas de nitrogênio que servem como adubo. Além de se autofertilizar, ela enriquece todo o solo ao seu redor, beneficiando todas as outras plantas. Some-se a isso a produção massiva de folhas, que, ao caírem, formam uma espessa camada de matéria orgânica (serrapilheira), e temos uma verdadeira fábrica de fertilidade.
As interações com a fauna são ricas e diversas. A polinização de suas flores brancas e noturnas é realizada por uma guilda de polinizadores, com destaque para as mariposas-esfinge, atraídas pelo perfume, mas também por morcegos e abelhas. A dispersão de seus frutos é um exemplo clássico de zoocoria. As vagens são abertas principalmente por mamíferos, como macacos, quatis e pelo próprio homem, que consomem o arilo doce e descartam as sementes, que são grandes demais para serem engolidas por aves pequenas.
Usos e Aplicações do Ingá-feijão
O Ingá-feijão é uma das árvores de uso múltiplo mais importantes para a agricultura sustentável e para a restauração de ecossistemas no Brasil. Suas aplicações são um reflexo de sua natureza generosa, oferecendo benefícios para o solo, para outras plantas, para os animais e para as pessoas.
Seu uso mais nobre e impactante é na agrofloresta e na restauração ecológica. A Inga cylindrica é uma das espécies mais utilizadas e recomendadas para a composição de Sistemas Agroflorestais (SAFs). Seu crescimento ultrarrápido fornece sombra para culturas que a necessitam, como o café e o cacau. Sua capacidade de fixar nitrogênio funciona como uma “adubação verde” constante e gratuita para todo o sistema. E suas podas periódicas geram uma quantidade imensa de biomassa, que é usada como cobertura morta (mulch), protegendo o solo, mantendo a umidade e aumentando a matéria orgânica. É a árvore de serviço por excelência.
Seu uso alimentício é um dos grandes prazeres do campo. O arilo branco e adocicado que envolve as sementes é uma fruta deliciosa e refrescante, consumida *in natura* diretamente da vagem. É um alimento muito apreciado por crianças e adultos, uma guloseima natural da floresta.
A madeira do Ingá-feijão é leve, macia e de baixa durabilidade, não sendo aproveitada para fins nobres. No entanto, é uma excelente lenha e produz um bom carvão, sendo uma importante fonte de energia em muitas comunidades rurais. Na medicina tradicional, a casca da árvore, rica em taninos, é utilizada no preparo de chás como um poderoso adstringente para o tratamento de diarreias e para a cicatrização de feridas.
Cultivo & Propagação do Ingá-feijão
Cultivar um Ingá-feijão é uma das experiências mais rápidas e gratificantes no universo do plantio de árvores nativas. A propagação da Inga cylindrica é extremamente fácil, e seu crescimento vigoroso a torna uma espécie ideal para quem busca resultados rápidos, seja para sombrear um terreno, para iniciar um sistema agroflorestal ou para restaurar uma área degradada.
O ciclo começa com a coleta das vagens, que deve ser feita quando estão maduras na árvore. As sementes devem ser retiradas do interior e a polpa (o arilo) deve ser removida. A informação mais crucial para o sucesso é: as sementes de Ingá são recalcitrantes. Elas não possuem dormência e perdem o poder de germinar em pouquíssimos dias. Não podem ser secas ou armazenadas. O segredo é plantar as sementes frescas, logo após a coleta.
A semeadura é muito simples. As sementes grandes devem ser plantadas em sacos de mudas ou diretamente no local definitivo, em um substrato rico em matéria orgânica, a uma profundidade de 2 a 3 cm. A germinação é extremamente rápida e com alta taxa de sucesso, geralmente ocorrendo em menos de uma semana.
As mudas de Ingá-feijão apresentam um crescimento muito rápido. Elas devem ser cultivadas a pleno sol e com irrigações regulares. Em poucos meses, as mudas já atingem um porte excelente para o plantio no campo. No local definitivo, a árvore pode atingir mais de 5 metros de altura em apenas dois anos.
O plantio da Inga cylindrica é altamente recomendado para uma vasta gama de situações: é a espinha dorsal de sistemas agroflorestais, é uma das principais espécies para a restauração de matas ciliares e áreas degradadas, e é uma excelente árvore de sombra e de frutos para sítios e grandes quintais. É uma árvore que trabalha por nós e pela natureza, semeando fertilidade e abundância.
Referências utilizadas para o Ingá-feijão
Esta descrição detalhada da Inga cylindrica foi construída com base em fontes científicas de alta credibilidade, na vasta documentação sobre sistemas agroflorestais e na obra de referência sobre o gênero *Inga*. O objetivo foi criar um retrato completo que celebra a importância fundamental desta árvore generosa para a sustentabilidade e a regeneração de nossas paisagens. As referências a seguir são a base de conhecimento que sustenta esta narrativa.
• Garcia, F.C.P.; Bonadeu, F. Inga in Flora e Funga do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em: <https://florabrasil.jbrj.gov.br/FB22999>. Acesso em: 23 jul. 2025. (Fonte primária para dados taxonômicos, morfológicos e de distribuição oficial).
• Pennington, T.D. 1997. The genus *Inga*: Botany. Royal Botanic Gardens, Kew. (A mais completa e importante monografia sobre o gênero, fundamental para esta descrição).
• Lorenzi, H. 1992. Árvores Brasileiras: Manual de Identificação e Cultivo de Plantas Arbóreas Nativas do Brasil, Vol. 1. 1ª ed. Editora Plantarum, Nova Odessa, SP. (Fonte essencial para informações práticas sobre cultivo, usos e características gerais).
• Souza, H.M. de, et al. 2005. Guia de Campo de Espécies Arbóreas da Amazônia. Editora INPA, Manaus. (Contextualização da espécie dentro da flora amazônica).
• Götsch, E. 1997. Break-through in agriculture. AS-PTA, Rio de Janeiro. (Referência conceitual sobre a importância de espécies como o Ingá em sistemas agroflorestais sucessionais).
• Krukoff, B.A. 1979. Supplementary notes on the American species of *Erythrina* and *Inga*. Phytologia, 44(1), 5-18. (Exemplo de estudo que demonstra a contínua pesquisa sobre o gênero).
















