Introdução & Nomenclatura do Pajéu
No grande e diverso clã das árvores conhecidas como Pau-formiga, cada membro se especializou em um domínio. Se sua prima, a *Triplaris americana*, é a guardiã das matas ciliares úmidas, a Triplaris gardneriana é a senhora das terras secas, a fortaleza viva do Cerrado e da Caatinga. Conhecida popularmente como Pajéu, Pau-jaú, ou também Pau-formiga e Formigueiro, esta árvore carrega em seus nomes a essência de sua identidade: uma parceria inquebrável com uma legião de formigas de picada ardente, que vivem em seus galhos ocos e a defendem com uma lealdade feroz. É a versão do sertão desta incrível história de mutualismo, uma árvore adaptada à aridez, mas que nunca abre mão de seu exército particular.
O nome científico, Triplaris gardneriana Wedd., celebra um grande naturalista e a forma única de seu fruto. O gênero, *Triplaris*, vem do latim *triplus* (triplo), uma referência direta às três grandes asas que adornam seu fruto e o preparam para o voo. O epíteto específico, *gardneriana*, é uma homenagem ao botânico escocês George Gardner, que no século XIX viajou extensivamente pelo interior do Brasil, coletando e descrevendo muitas das maravilhas de nossa flora, incluindo esta. Seus múltiplos sinônimos, como *Triplaris tomentosa* e *Triplaris pachau*, atestam sua variabilidade e a fascinação que sempre exerceu sobre os cientistas.
O Pajéu é uma espécie nativa de uma vasta área da América do Sul, mas é no Brasil que ela encontra seu principal palco, sendo uma das árvores mais características dos biomas Caatinga e Cerrado. Sua distribuição se estende por todo o Nordeste, Centro-Oeste e alcança o Sudeste e o Norte, sempre em formações de vegetação mais abertas e sazonais. Ter uma semente de Pajéu é ter em mãos a promessa de cultivar uma árvore de beleza rústica, de crescimento rápido e que é um microcosmo de interações ecológicas, uma verdadeira fortaleza de vida adaptada à paisagem brasileira.
Aparência: Como reconhecer o Pajéu?
Reconhecer o Pajéu é identificar uma árvore de porte esguio, de frutos que parecem hélices avermelhadas e, se houver coragem para se aproximar, de sentir a presença vigilante de seus habitantes. A Triplaris gardneriana é uma árvore de pequeno a médio porte, que geralmente atinge de 5 a 15 metros de altura. Seu tronco é tipicamente reto e os ramos, ocos, são a morada das formigas. A casca é clara e a copa, aberta e arejada. Uma característica que a distingue de sua prima *T. americana* é a presença de um indumento, uma cobertura de pelos finos que pode dar aos ramos jovens e às folhas uma textura aveludada (pubescente a tomentosa), uma adaptação para reduzir a perda de água no clima seco.
As folhas são grandes, simples, de filotaxia alterna, e de formato que varia de oval a elíptico. Na base de cada folha, encontra-se a ócrea, uma pequena bainha membranosa que abraça o caule, uma assinatura de sua família, a Polygonaceae. A presença desta estrutura é uma forma segura de identificar a família da planta.
Assim como sua parente, o Pajéu é uma espécie dioica, com indivíduos masculinos e femininos. As flores são pequenas e se agrupam em longas inflorescências terminais (panículas). As flores das árvores masculinas e femininas são morfologicamente distintas. Nenhuma delas é particularmente vistosa, sendo de cor esbranquiçada ou creme, mas são produzidas em grande quantidade, cumprindo seu papel de garantir a reprodução da espécie.
O fruto é a sua maior glória ornamental, um espetáculo que colore a paisagem da Caatinga e do Cerrado. É um pequeno fruto seco (uma núcula trigonal), mas que é envolto pelas três sépalas da flor feminina, que crescem de forma espetacular após a fecundação, transformando-se em três grandes asas de 3 a 5 cm de comprimento, de consistência papirácea e de uma bela cor vermelha ou rosada. Quando a árvore feminina frutifica, sua copa se enche de milhares destes frutos alados, criando um efeito visual deslumbrante, como um enxame de borboletas vermelhas pousado nos galhos.
A semente se encontra dentro da pequena noz no centro das asas. É através desta estrutura leve e aerodinâmica que o Pajéu confia sua prole aos ventos do sertão, garantindo que sua linhagem de árvores-fortaleza continue a prosperar.
Ecologia, Habitat & Sucessão do Pajéu
A ecologia da Triplaris gardneriana é um tratado sobre a vida no semiárido e nas savanas. É uma espécie emblemática da Caatinga e do Cerrado, habitando desde o Carrasco e a Caatinga *stricto sensu* até as matas de galeria e as florestas estacionais deciduais. É uma planta que prospera em ambientes de forte sazonalidade, longos períodos de seca e alta insolação, sendo uma das árvores pioneiras mais importantes destes ecossistemas.
Na dinâmica de sucessão, o Pajéu é uma espécie pioneira e secundária inicial. Seu crescimento é rápido, e ela é uma das primeiras a colonizar clareiras e áreas degradadas em seu domínio. Sua capacidade de prosperar em solos pobres e sob sol pleno a torna uma peça fundamental no início do processo de regeneração natural das matas secas e do Cerrado.
O coração de sua ecologia é a sua aliança de ferro com as formigas, geralmente do gênero *Pseudomyrmex*. Esta simbiose (mirmecofilia) é uma das mais agressivas e eficientes da natureza. A árvore oferece abrigo em seus ramos ocos (domácias). Em troca, as formigas, que possuem uma picada extremamente dolorosa, patrulham cada centímetro da planta e atacam com fúria qualquer ser vivo que a toque, seja um gafanhoto, uma lagarta, uma trepadeira ou um mamífero curioso. Esta proteção absoluta garante que a árvore cresça livre de herbivoria e de competição, um dos segredos de seu sucesso como pioneira.
A polinização de suas flores é realizada por insetos generalistas, como pequenas abelhas e vespas, que não se intimidam com a presença das formigas. A dispersão de seus frutos é uma magnífica parceria com o vento. A estratégia da anemocoria é perfeita para os ambientes abertos onde o Pajéu vive. As árvores femininas, ao liberarem seus milhares de frutos-hélice, criam uma chuva avermelhada que é carregada pelas correntes de ar, espalhando as sementes por vastas áreas e garantindo a colonização de novos territórios.
Usos e Aplicações do Pajéu
O Pajéu é uma árvore de grande valor para as comunidades e para os ecossistemas do semiárido, oferecendo desde madeira para o dia a dia até um espetáculo ornamental e um papel vital na restauração da paisagem. As aplicações da Triplaris gardneriana refletem sua natureza rústica e multifuncional.
Seu uso mais importante é o ecológico. Como uma espécie pioneira de crescimento rápido e extremamente adaptada a ambientes secos, o Pajéu é uma das espécies mais valiosas para a restauração de áreas degradadas da Caatinga e do Cerrado. Seu plantio é uma estratégia eficaz para iniciar a regeneração florestal, controlar a erosão e restabelecer as complexas interações com a fauna de insetos.
A madeira do Pajéu é leve, de baixa densidade e fácil de trabalhar, mas de pouca durabilidade natural. É utilizada localmente para caixotaria, confecção de brinquedos, artesanato e, principalmente, como uma excelente lenha e fonte de carvão, um recurso energético fundamental em muitas regiões do interior do Nordeste.
Seu potencial ornamental é imenso, especialmente para o xeriscaping e o paisagismo em regiões de clima quente e seco. A frutificação das árvores femininas é um evento de beleza espetacular, cobrindo a copa de vermelho por um longo período. No entanto, o mesmo alerta dado à sua prima se aplica aqui: devido à presença das formigas agressivas, o Pajéu não deve ser plantado em locais de grande circulação de pessoas.
Na medicina tradicional, a casca e as folhas são utilizadas em chás e banhos por suas propriedades adstringentes, sendo empregadas no tratamento de feridas, febres e inflamações. As próprias formigas, com o ácido fórmico de suas picadas, também são por vezes utilizadas em preparos para o alívio de dores reumáticas.
Cultivo & Propagação do Pajéu
Cultivar um Pajéu é um convite para observar de perto uma das mais fascinantes alianças da natureza e para trazer a beleza rústica do sertão para mais perto. A propagação da Triplaris gardneriana é um processo simples, que reflete sua natureza de pioneira vigorosa.
O ciclo começa com a coleta dos frutos alados, que deve ser feita quando estão maduros e de cor avermelhada. A semente é a pequena noz no centro das asas, que podem ser removidas. As sementes de Pajéu, em geral, não apresentam dormência e germinam com facilidade quando frescas.
A semeadura deve ser feita em um substrato bem drenado, de preferência arenoso, em sacos de mudas ou tubetes. A germinação é rápida, ocorrendo em 2 a 4 semanas. As mudas de Triplaris gardneriana apresentam um crescimento muito rápido e devem ser mantidas a pleno sol, com irrigações regulares em sua fase inicial.
Lembrando sempre que a espécie é dioica, para a produção de frutos ornamentais é necessário o plantio de indivíduos masculinos e femininos. O plantio do Pajéu é ideal para a recuperação de áreas de Caatinga e Cerrado, para a formação de cercas-vivas defensivas (devido às formigas) em propriedades rurais e para o paisagismo em grandes áreas, onde sua beleza e sua história podem ser apreciadas com segurança.
É fascinante observar que as mudas, mesmo com poucos centímetros, já podem ser colonizadas por suas formigas parceiras, que encontram na jovem planta o início de um novo reino a ser defendido, uma aliança que começa no berçário e dura por toda a vida da árvore.
Referências utilizadas para o Pajéu
Esta descrição detalhada da Triplaris gardneriana foi construída com base em fontes científicas de alta credibilidade e na rica documentação ecológica sobre as plantas da Caatinga e do Cerrado. O objetivo foi criar um retrato completo que celebra a beleza rústica, a fascinante biologia e a importância ecológica desta árvore-fortaleza do semiárido. As referências a seguir são a base de conhecimento que sustenta esta narrativa.
• Melo, E. Polygonaceae in Flora e Funga do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em: <https://florabrasil.jbrj.gov.br/FB20606>. Acesso em: 23 jul. 2025. (Fonte primária para dados taxonômicos, morfológicos e de distribuição oficial).
• Brandbyge, J. 1986. A revision of the genus *Triplaris* (Polygonaceae). Nordic Journal of Botany, 6(5), 545-570. (A mais completa revisão do gênero, fundamental para esta descrição).
• Queiroz, L.P. de. 2009. Leguminosas da Caatinga. Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana. (Embora seja uma Polygonaceae, este livro contextualiza a flora da Caatinga, seu principal habitat).
• Maia, G.N. 2012. Caatinga: árvores e arbustos e suas utilidades. 2ª ed. D&Z, Fortaleza. (Referência sobre os usos etnobotânicos de plantas da Caatinga, como o Pau-formiga/Pajéu).
• Benson, W.W. 1985. Amazon ant-plants. In: Prance, G.T. & Lovejoy, T.E. (eds.). Amazonia. Pergamon Press, Oxford. pp. 239-266. (Referência sobre a diversidade de plantas-formiga, incluindo *Triplaris*).
• Weddell, H.A. 1849. Additions a la flore de l’Amerique du Sud. Annales des Sciences Naturelles; Botanique, sér. 3, 13, 249-270. (Publicação onde a espécie foi originalmente descrita).

















