Introdução & Nomenclatura da Quaresmeira
No calendário da flora brasileira, poucas árvores são tão pontuais e simbólicas quanto a Quaresmeira. Seu nome popular está intrinsecamente ligado ao período da Quaresma, os quarenta dias que antecedem a Páscoa, época em que sua parente mais famosa, a *Pleroma granulosum* da Mata Atlântica, se cobre de flores roxas. A espécie que aqui celebramos, a Pleroma candolleanum, embora compartilhe o nome, a beleza e a cor, segue seu próprio relógio, desabrochando em um espetáculo magnífico durante o inverno seco do Cerrado. É uma árvore que, independentemente da data, evoca um sentimento de contemplação e admiração, uma verdadeira rainha das matas de galeria.
O nome científico, Pleroma candolleanum (Mart. ex DC.) Triana, conta uma história de ciência e homenagem. O gênero, *Pleroma*, vem do grego e significa “plenitude”, uma possível alusão ao fruto cheio de sementes minúsculas, uma promessa de vida abundante. O epíteto específico, *candolleanum*, é um tributo ao lendário botânico suíço Augustin Pyramus de Candolle, uma das figuras mais importantes da história da classificação das plantas. Por muito tempo, esta espécie foi conhecida pelo nome de *Tibouchina candolleana*, e muitos ainda a conhecem assim. A recente reorganização do gênero *Tibouchina* pela ciência moveu as verdadeiras quaresmeiras brasileiras para o gênero *Pleroma*, um ato de reconhecimento de suas linhagens únicas e de sua identidade botânica precisa.
A Pleroma candolleanum é um tesouro nativo e endêmico do Brasil, uma espécie que floresce no coração do país. Sua casa é o bioma Cerrado, mas com uma preferência muito específica: ela é uma habitante das matas ciliares e de galeria, as florestas que margeiam os rios e córregos, em altitudes de 900 a 1100 metros. Sua distribuição está concentrada nos estados da Bahia, Minas Gerais, Goiás e no Distrito Federal. Ela é, portanto, uma guardiã das águas do Cerrado. Ter uma semente de Quaresmeira em mãos é ter a chance de cultivar uma das florações mais espetaculares do Brasil, uma árvore que é um símbolo de beleza, fé e da vitalidade que pulsa nas veias fluviais de nosso planalto central.
Aparência: Como reconhecer a Quaresmeira
Reconhecer a Quaresmeira, ou Pleroma candolleanum, é se encantar com uma explosão de cor púrpura e com os detalhes delicados que a tornam inconfundível. Ela se apresenta como uma arvoreta ou árvore de pequeno porte, atingindo de 2 a 9 metros de altura, com uma copa graciosa e ramos que se cobrem de uma fina indumentária de pelos dendríticos (ramificados como pequenas árvores), conferindo-lhes uma textura particular.
As folhas são a assinatura de sua nobre família, a Melastomataceae. Elas são opostas, de formato lanceolado e com uma textura firme. A característica mais marcante é a sua nervação curvinérvea: 3 a 5 nervuras proeminentes que nascem um pouco acima da base da folha (supra basais) e correm em arcos paralelos em direção ao ápice. Este desenho é um dos traços mais seguros para identificar a família. A superfície da folha é coberta por pelos rígidos, o que lhe confere uma textura áspera ao toque.
A floração é, sem dúvida, o evento que a consagra. Diferente de sua parente famosa, a Pleroma candolleanum floresce no auge da estação seca, entre junho e setembro. A árvore se cobre de grandes inflorescências do tipo tirso, que se projetam para fora da folhagem. Cada flor é um espetáculo de design e cor. As cinco pétalas são grandes, delicadas, de formato obovado e de uma cor intensa que varia do roxo ao violeta ou púrpura. No centro da flor, destaca-se um conjunto de dez estames dimórficos (de dois tamanhos diferentes), com anteras amarelas e filetes curvos, densamente cobertos por tricomas glandulares. É esta combinação da cor vibrante das pétalas com o arranjo escultural dos estames que cria a beleza hipnótica da Quaresmeira.
O fruto é uma pequena cápsula lenhosa e seca, que mede menos de 1 cm. Quando maduro, este fruto se abre no ápice em cinco pequenas fendas, liberando seu conteúdo precioso. A Quaresmeira não investe em frutos carnosos e atrativos, pois sua estratégia de dispersão é outra, confiada à leveza e ao vento.
Dentro de cada cápsula, encontram-se centenas, talvez milhares, de sementes minúsculas. Elas são tão pequenas que se assemelham a um pó fino ou a serragem. Esta pequenez é sua maior vantagem evolutiva, pois permite que sejam facilmente carregadas pelas correntes de ar, viajando para longe e colonizando novas margens de rios e clareiras na mata.
Ecologia, Habitat & Sucessão da Quaresmeira
A ecologia da Pleroma candolleanum é a de uma especialista em fronteiras, uma amante da luz que prospera na interface entre o campo e a mata, a terra e a água. Seu habitat exclusivo são as matas ciliares e de galeria do bioma Cerrado. Estas florestas formam corredores verdes e úmidos que seguem os cursos d’água, rasgando a paisagem aberta e seca da savana. É neste ambiente de alta luminosidade, solos úmidos e bordas de mata que a Quaresmeira encontra seu lugar ideal para crescer e florescer.
Na dinâmica de sucessão ecológica, a Quaresmeira se comporta como uma clássica espécie pioneira e secundária inicial. Seu crescimento é rápido e ela precisa de sol pleno para se desenvolver, o que a torna uma colonizadora nata de clareiras, áreas de deslizamento nas margens dos rios e bordas de estradas. Sua presença é um dos primeiros sinais de que a floresta está se regenerando. Ao crescer, ela sombreia o solo, estabiliza as margens dos rios e cria um ambiente mais propício para que outras espécies de crescimento mais lento possam se estabelecer sob sua proteção.
O momento de sua floração, no auge da estação seca do Cerrado (de junho a setembro), é uma estratégia ecológica brilhante. Neste período, a maioria das outras plantas está em dormência ou com poucas flores, e a vegetação ao redor está seca e de cores pálidas. A explosão de flores roxas da Pleroma candolleanum se torna um farol de cor e um oásis de recursos para os polinizadores, garantindo que suas flores recebam a máxima atenção.
As interações com a fauna são um exemplo de alta especialização. A polinização de suas flores é um dos mais belos espetáculos de coevolução. Ela é realizada principalmente por abelhas de grande porte que são capazes de praticar a “buzz pollination” ou polinização por vibração. As anteras da Quaresmeira liberam o pólen por um pequeno poro apical. A abelha, ao visitar a flor, agarra os estames e vibra seus músculos de voo em uma frequência específica, fazendo com que o pólen seja expelido como se fosse um spray, cobrindo seu corpo. É um método de polinização altamente eficiente e crucial para a reprodução da planta.
A dispersão de suas sementes é uma parceria com o vento. A anemocoria é a estratégia adotada. As cápsulas se abrem durante a estação seca, e as sementes, por serem minúsculas e leves como poeira, são facilmente arrancadas e carregadas pelas correntes de ar. Esta estratégia permite que elas viajem longas distâncias e alcancem as clareiras e bancos de areia ao longo dos rios, os locais perfeitos para a germinação de uma nova geração de Quaresmeiras.
Usos e Aplicações da Quaresmeira
A Quaresmeira é uma árvore cuja principal aplicação é a de alimentar a alma com sua beleza estonteante e a de curar a paisagem com sua vocação regeneradora. Os usos da Pleroma candolleanum a consagram como uma das mais importantes espécies ornamentais do Brasil e uma ferramenta vital para a recuperação de ecossistemas ciliares.
Seu uso mais proeminente e celebrado é, sem dúvida, o ornamental. A Quaresmeira é uma das estrelas do paisagismo brasileiro. Sua floração intensa, de um roxo vibrante que cobre toda a copa, a torna um ponto focal de beleza inigualável em qualquer jardim. Seu porte pequeno a médio a torna versátil, podendo ser usada como árvore isolada, em grupos (maciços) que criam um impacto de cor avassalador, ou em alamedas. É uma escolha perfeita para jardins residenciais, praças, parques e para a arborização de ruas e condomínios, trazendo uma explosão de cor e vida para o ambiente urbano.
O valor ecológico da Pleroma candolleanum é imenso. Por ser uma espécie pioneira de crescimento rápido e adaptada às margens de rios, ela é uma das espécies mais importantes para a restauração de matas ciliares e áreas degradadas no Cerrado. Seu plantio ajuda a estabilizar barrancos, a proteger os cursos d’água do assoreamento e a iniciar rapidamente o processo de sucessão ecológica. Além disso, ela é uma planta apícola de grande importância, sendo uma fonte vital de pólen para as abelhas nativas, especialmente durante a estação seca, contribuindo para a manutenção da saúde dos polinizadores.
A madeira da Quaresmeira é leve, macia e de baixa durabilidade, não sendo aproveitada para a construção civil ou marcenaria. Seu uso se restringe a caixotaria leve e, principalmente, como uma boa lenha. Na medicina popular, o gênero *Pleroma* (e anteriormente *Tibouchina*) é conhecido pelo uso de suas folhas e flores, ricas em taninos, como adstringente, principalmente para o tratamento de afecções da boca e garganta, mas os usos específicos para *P. candolleanum* são menos documentados.
Cultivo & Propagação da Quaresmeira
Cultivar uma Quaresmeira é trazer para perto um dos mais belos espetáculos da flora brasileira. A propagação da Pleroma candolleanum, especialmente a partir de sementes, requer um cuidado delicado que reflete a pequenez de seus propágulos, mas recompensa com um crescimento rápido e uma beleza que se manifesta em poucos anos.
O ciclo começa com a coleta dos frutos, que deve ser feita quando as pequenas cápsulas estão secas e de cor marrom, prontas para se abrirem. As cápsulas podem ser colhidas e deixadas para secar em um jornal ou bandeja, onde se abrirão e liberarão as sementes. As sementes são extremamente pequenas, semelhantes a um pó fino. Esta é a informação mais crucial para o sucesso de seu cultivo.
Devido ao seu tamanho minúsculo, a semeadura exige uma técnica especial. As sementes devem ser espalhadas sobre a superfície de um substrato muito fino e bem drenado (uma mistura de terra e areia peneiradas é ideal). As sementes não devem ser cobertas com terra, pois necessitam de luz para germinar. A sementeira deve ser mantida constantemente úmida, mas a irrigação deve ser feita com um borrifador muito fino ou, de preferência, por capilaridade (colocando o recipiente em uma bandeja com água), para evitar que as sementes sejam enterradas ou levadas pela água. A germinação ocorre em 15 a 30 dias.
As plântulas são muito delicadas em seus primeiros estágios e devem ser protegidas de chuvas fortes e do sol direto. Conforme crescem, podem ser gradualmente expostas a mais luz. O crescimento da Quaresmeira é rápido, e as mudas se desenvolvem vigorosamente. Elas podem ser transplantadas para recipientes individuais quando tiverem alguns pares de folhas e, em menos de um ano, já estarão com um porte excelente para o plantio definitivo.
O plantio da Pleroma candolleanum é ideal para locais de pleno sol e com boa umidade no solo, como é típico das margens de rios. É uma escolha perfeita para o paisagismo de todos os portes e uma espécie indispensável para a recuperação de matas ciliares no Cerrado. Cultivar uma Quaresmeira é um ato de semear cor e vida, uma contribuição de beleza duradoura para a paisagem.
Referências utilizadas para a Quaresmeira
Esta descrição detalhada da Pleroma candolleanum foi cuidadosamente elaborada com base em fontes científicas de alta credibilidade, incluindo a taxonomia oficial da flora brasileira, revisões do gênero e manuais de identificação de espécies nativas. O objetivo foi criar um retrato completo que celebra a beleza, a importância ecológica e as particularidades desta icônica Quaresmeira do Cerrado. As referências a seguir são a base de conhecimento que sustenta esta narrativa.
• Guimarães, P.J.F. Pleroma in Flora e Funga do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em: <https://floradobrasil.jbrj.gov.br/FB602859>. Acesso em: 21 jul. 2025. (Fonte primária para dados taxonômicos, morfológicos e de distribuição oficial).
• Lorenzi, H. 2002. Árvores Brasileiras: Manual de Identificação e Cultivo de Plantas Arbóreas Nativas do Brasil, Vol. 1. 4ª ed. Instituto Plantarum, Nova Odessa, SP. (Referenciado como *Tibouchina candolleana*, é uma fonte essencial para informações práticas sobre cultivo, usos e características gerais).
• Goldenberg, R. 2009. O Gênero Miconia e tribos afins. In: Wanderley, M. G. L. et al. (eds.). Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo. Instituto de Botânica, São Paulo, vol. 6. (Contextualização da família Melastomataceae).
• Renner, S.S. 1989. A survey of reproductive biology in neotropical Melastomataceae and Memecylaceae. Annals of the Missouri Botanical Garden, 76(2), 496-518. (Artigo clássico sobre a biologia reprodutiva da família, incluindo a “buzz pollination”).
• Guimarães, P.J.F., et al. 2019. Systematics of Tibouchina and allies (Melastomataceae: Melastomateae): A new classification system with a recircumscription of Pleroma. Taxon, 68(5), 937-1002. (O estudo fundamental que reclassificou as Quaresmeiras brasileiras no gênero *Pleroma*).
• Cogniaux, A. 1883-1885. Melastomataceae. In: Martius, C.F.P., Eichler, A.G. & Urban, I. (eds.). Flora Brasiliensis, Vol. 14, pars 3. (A obra clássica da botânica brasileira, com a descrição original da espécie como *Tibouchina candolleana*).














