Introdução & Nomenclatura do Tucaneiro
Na grande partitura da natureza, algumas árvores nascem com a vocação de serem maestras. O Tucaneiro, cientificamente conhecido como Citharexylum myrianthum, é uma dessas. Seus nomes populares já revelam a riqueza de sua história e de suas conexões. É chamado “Tucaneiro” por uma razão simples e bela: seus frutos são um banquete para tucanos e uma infinidade de outras aves, que, em troca, se tornam os jardineiros da floresta, espalhando suas sementes. Mas ele também é conhecido como “Pau-de-viola”, um tributo à sua madeira leve e ressonante, usada por artesãos para criar instrumentos musicais. É uma árvore que, literalmente, dá melodia à mata e à cultura.
O nome científico, Citharexylum myrianthum Cham., é uma tradução poética e precisa de sua essência. O gênero, Citharexylum, é a fusão do grego kithara (lira ou viola) e xylon (madeira), significando “madeira de viola” ou “madeira de lira”. O epíteto específico, myrianthum, também do grego, une myrios (incontáveis, dez mil) e anthos (flor), descrevendo perfeitamente suas “incontáveis flores”, que desabrocham em longos e perfumados cachos. É, portanto, a “madeira de viola de inúmeras flores”, um nome que encapsula sua beleza, seu uso e sua ecologia.
Nativa da América do Sul, a Citharexylum myrianthum tem uma ampla e nobre presença no Brasil, demonstrando uma notável capacidade de adaptação. Ela ocorre em dois biomas muito distintos, a Mata Atlântica e a Caatinga, mostrando sua resiliência tanto em ambientes úmidos quanto em mais secos. Sua distribuição abrange o Nordeste, o Sudeste e o Sul do país. Seus sinônimos, como Citharexylum glaziovii e Citharexylum laetum, marcam os passos de sua descoberta e classificação pela ciência. Ter uma semente de Tucaneiro é ter em mãos a promessa de uma árvore de crescimento rápido, de beleza delicada e de imenso valor ecológico, uma verdadeira catalisadora da vida na paisagem.
Aparência: Como reconhecer o Tucaneiro?
Reconhecer um Tucaneiro é se deixar encantar por uma elegância simples e por uma explosão de vida. A Citharexylum myrianthum é uma árvore de porte médio, que geralmente atinge de 5 a 15 metros de altura. Possui um tronco esguio, geralmente reto, com uma casca lisa a sutilmente fissurada de cor acinzentada. Sua copa é arredondada, um tanto aberta e de folhagem não muito densa, o que lhe confere uma aparência leve e graciosa na paisagem. É uma árvore de crescimento rápido, que em poucos anos já se estabelece como um elemento marcante, seja em uma clareira na mata ou em um jardim.
As folhas são simples, de filotaxia oposta (um par de folhas por nó no ramo), e de textura cartácea, ou seja, firme como uma cartolina. De formato elíptico e com a ponta afilada, as folhas são glabras (sem pelos) na face superior e podem apresentar uma fina pubescência na face inferior, especialmente ao longo das nervuras. São folhas de um verde vivo e saudável, que compõem a copa harmoniosa da árvore.
A floração é o momento em que o Tucaneiro revela a origem de seu nome *myrianthum*. A árvore se cobre de “incontáveis flores”, pequenas e delicadas, mas agrupadas em longos cachos (racemos) terminais e axilares, que podem ser pendentes e atingir mais de 20 cm de comprimento. As flores são de cor creme ou branca, e exalam um perfume adocicado e intenso, muitas vezes comparado ao do jasmim, que se espalha pelo ar e atrai uma multidão de insetos polinizadores. A visão da árvore em plena floração, com seus longos véus de flores perfumadas, é um espetáculo para os sentidos.
Após a polinização, surgem os frutos, que são o coração de sua identidade ecológica. São pequenas drupas carnosas, de formato ovoide, medindo cerca de 1 cm. Durante a maturação, eles passam por uma transformação de cores, indo do verde ao amarelo ou laranja, e finalmente, quando prontos para o consumo, adquirem uma cor vermelha-escura ou preta. Esta mudança de cor é um sinal visual claro, um convite irresistível para as aves, que sabem exatamente quando o banquete está servido.
Dentro de cada fruto carnoso, encontra-se uma pequena semente (um pirênio), o passageiro que depende inteiramente da fauna para sua dispersão. A semente do Citharexylum myrianthum é pequena, mas carrega o imenso potencial de regenerar a floresta, um fruto de cada vez, um voo de cada vez.
Ecologia, Habitat & Sucessão do Tucaneiro
A ecologia do Tucaneiro é uma história vibrante sobre regeneração, cooperação e vida em abundância. A Citharexylum myrianthum é uma especialista em recomeços, uma das espécies mais importantes para a restauração de ecossistemas no Brasil. Sua presença tanto na Mata Atlântica quanto na Caatinga, especialmente em suas áreas mais úmidas como as Florestas Ciliares ou de Galeria, demonstra sua plasticidade e seu papel vital na proteção de nossos cursos d’água.
Na dinâmica da sucessão ecológica, o Tucaneiro é um protagonista dos primeiros atos. Ele é uma clássica espécie pioneira e secundária inicial. Seu rápido crescimento, a tolerância ao sol pleno e a produção massiva de sementes dispersas por animais a tornam perfeitamente equipada para colonizar áreas abertas, clareiras e terras degradadas. Ao se estabelecer rapidamente, ela cria sombra, melhora as condições do solo com a queda de suas folhas e, o mais importante, inicia um processo vital de atração da fauna, funcionando como um verdadeiro catalisador da regeneração florestal.
As interações da Citharexylum myrianthum com a fauna são seu maior superpoder ecológico. Suas flores perfumadas e ricas em néctar são uma fonte de alimento crucial para uma vasta gama de insetos polinizadores, especialmente abelhas de diversas espécies. A árvore é considerada altamente melífera, sendo uma aliada de apicultores e um pilar para a sustentação de polinizadores nativos, que são essenciais para a saúde de todo o ecossistema.
Mas é na frutificação que o Tucaneiro se torna o coração pulsante da floresta. O nome “Tucaneiro” não é um exagero. Seus frutos pequenos, adocicados e produzidos em abundância são um dos pratos preferidos de dezenas de espécies de aves. **Tucanos, sabiás, sanhaçus, bem-te-vis, jacus, arapongas** e muitas outras se banqueteiam em suas copas. Este processo, conhecido como ornitocoria (dispersão por aves), é a chave para seu sucesso e para sua importância na restauração. As aves engolem os frutos, voam para outras áreas e, ao regurgitar ou defecar as sementes, espalham a espécie por novas paisagens. Mais do que isso, ao atrair essa avifauna, o Tucaneiro cria uma “chuva de sementes” de muitas outras espécies que as aves consumiram, transformando uma área degradada em um polo de diversidade e regeneração. Plantar um Tucaneiro é como instalar um restaurante gratuito para os semeadores alados da floresta.
Usos e Aplicações do Tucaneiro
As dádivas do Tucaneiro se estendem da esfera ecológica para a cultural e funcional, tornando a Citharexylum myrianthum uma árvore de múltiplos talentos e de imenso valor para os seres humanos. Suas aplicações refletem sua natureza gentil e sua capacidade de gerar beleza, seja na forma de música, de paisagens ou de vida selvagem.
O seu uso mais nobre e especializado é, sem dúvida, na luteria. A madeira do Tucaneiro, ou Pau-de-viola, é leve, macia, de baixa densidade e fácil de trabalhar, com uma coloração clara e uniforme. Embora não sirva para construção pesada, essas características a tornam ideal para a confecção de partes de instrumentos musicais, como o corpo de violas caipiras, violões e outros instrumentos de corda artesanais. Sua capacidade de ressoar o som a conectou profundamente com a cultura musical do interior do Brasil. Além da luteria, sua madeira é utilizada para caixotaria, brinquedos, saltos de sapato e obras de acabamento interno.
O uso mais impactante da Citharexylum myrianthum hoje é na restauração ecológica. Por ser uma espécie pioneira de crescimento rápido e uma atratora magnética de fauna, ela é uma das espécies mais recomendadas e utilizadas em projetos de reflorestamento de áreas degradadas, especialmente na recuperação de matas ciliares. Plantar o Tucaneiro em uma área a ser restaurada é uma das estratégias mais eficientes para acelerar o processo de sucessão natural, pois as aves que ele atrai trarão consigo as sementes das espécies de estágios mais avançados da floresta.
Seu valor ornamental é imenso. O crescimento rápido, a copa graciosa, a floração perfumada e abundante, e o espetáculo constante de aves em seus galhos fazem do Tucaneiro uma escolha excepcional para o paisagismo. É perfeito para a arborização de parques, praças, grandes jardins e para a composição de corredores ecológicos em áreas urbanas. É uma árvore que traz não apenas beleza estética, mas também a alegria e o som da vida selvagem para perto das pessoas. Além disso, seu potencial como planta melífera a torna valiosa para apicultores que buscam uma fonte confiável de néctar para suas abelhas.
Na medicina popular, algumas comunidades utilizam as folhas e a casca em chás para o tratamento de diversas condições, mas esses usos são menos documentados e difundidos do que suas outras aplicações. A verdadeira vocação do Tucaneiro é ser um construtor de florestas e um provedor de música e vida.
Cultivo & Propagação do Tucaneiro
Cultivar um Tucaneiro é um dos processos mais rápidos e gratificantes no universo do plantio de árvores nativas. A propagação da Citharexylum myrianthum é notavelmente fácil, refletindo sua natureza pioneira e seu desejo de ocupar e regenerar espaços. É uma espécie ideal para iniciantes e uma ferramenta poderosa para projetos de restauração em larga escala.
O ciclo começa com a coleta dos frutos, que deve ser feita quando eles atingem a coloração escura (vermelho-escuro a preto), indicando que estão maduros. As sementes devem então ser extraídas da polpa. O despolpamento é um passo importante, pois a polpa pode conter inibidores de germinação e atrair fungos. As sementes podem ser lavadas em água corrente e friccionadas em uma peneira para remover todos os resíduos.
As sementes de Citharexylum myrianthum geralmente não apresentam dormência e possuem uma alta taxa de germinação quando frescas. Tratamentos pré-germinativos não são necessários. A semeadura pode ser feita em sementeiras ou diretamente em sacos de mudas ou tubetes. O substrato deve ser leve e bem drenado; uma mistura de terra e areia ou um substrato comercial para mudas funciona perfeitamente. As sementes devem ser cobertas com uma fina camada do mesmo substrato e mantidas úmidas. A germinação é rápida, ocorrendo geralmente entre 10 e 30 dias.
O que se segue é um desenvolvimento vigoroso. As mudas de Tucaneiro crescem em um ritmo acelerado, podendo atingir o porte ideal para o plantio em campo (cerca de 30-40 cm) em apenas 3 a 5 meses. Elas são rústicas e se desenvolvem bem a sol pleno, demandando pouca manutenção além da irrigação regular nos primeiros meses. Este crescimento rápido é uma de suas maiores vantagens, permitindo a formação de uma cobertura vegetal em tempo recorde.
O plantio do Tucaneiro é versátil. Ele é essencial em projetos de reflorestamento, especialmente de matas ciliares, onde ajuda a estabilizar as margens dos rios e a restaurar a biodiversidade. No paisagismo, é perfeito para locais que necessitam de uma árvore de porte médio e de rápido estabelecimento. Para quem deseja atrair pássaros para sua propriedade, plantar um Tucaneiro é a maneira mais eficaz de criar um ponto de encontro para a avifauna. É uma árvore de pouca exigência e de imenso retorno ecológico e estético.
Referências utilizadas para o Tucaneiro
Esta descrição detalhada do Citharexylum myrianthum foi fundamentada em uma sólida base de fontes científicas, incluindo a taxonomia oficial, manuais de identificação de espécies nativas e publicações sobre restauração ecológica. O objetivo foi criar um retrato completo que une a precisão botânica ao seu fascinante papel ecológico e cultural, honrando esta verdadeira orquestradora de ecossistemas. As referências a seguir são as sementes de conhecimento que deram origem a esta narrativa.
• O’Leary, N.; Thode, V.A. Citharexylum in Flora e Funga do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em: <https://floradobrasil.jbrj.gov.br/FB15136>. Acesso em: 20 jul. 2025. (Fonte primária para dados taxonômicos, morfológicos e de distribuição oficial).
• Lorenzi, H. 2002. Árvores Brasileiras: Manual de Identificação e Cultivo de Plantas Arbóreas Nativas do Brasil, Vol. 1. 4ª ed. Instituto Plantarum, Nova Odessa, SP. (Fonte essencial para informações práticas sobre cultivo, usos e características gerais da espécie).
• Rodrigues, R.R., Brancalion, P.H.S. & Isernhagen, I. (Orgs.). 2009. Pacto pela Restauração da Mata Atlântica: Referencial dos Conceitos e Ações de Restauração Florestal. LERF/ESALQ, Instituto BioAtlântica. (Contextualização da importância de espécies pioneiras como o Tucaneiro em projetos de restauração).
• Pizo, M.A. 2004. Frugivoria e dispersão de sementes. In: Biologia e Conservação da Ema. Tecco, São Carlos, p. 135-144. (Referência sobre os processos de dispersão de sementes por aves na Mata Atlântica).
• Silva, J.C. & Sousa, R.O. 2017. Plantas melíferas e a apicultura. Revista Verde de Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável, 12(1), 1-10. (Contexto sobre a importância de espécies como o Tucaneiro para a apicultura).
• Chamisso, L.K.A. von. 1832. De plantis in expeditione speculatoria Romanzoffiana et in herbariis regiis berolinensibus observatis disserere pergit. Linnaea 7(1): 117-124. (Publicação original onde a espécie foi descrita).















