Introdução & Nomenclatura da Margarida-do-cerrado
No vasto mar de gramíneas do Cerrado, onde o sol reina soberano, pequenas estrelas amarelas se erguem em hastes firmes, saudando a luz. Estas são as flores da Aldama bracteata, uma planta que merece um nome à altura de sua beleza e força: a Margarida-do-cerrado ou, mais poeticamente, o Girassol-nativo. Embora o nome “Margarida” seja popularmente atribuído a ela, esta espécie pertence à tribo dos girassóis (Heliantheae), e seu capítulo radiado, que segue o sol, é um testemunho de sua linhagem solar. É uma planta que não tem a altura de seus primos cultivados, mas que os supera em resiliência, sendo um símbolo da beleza que floresce na adversidade.
O nome científico, Aldama bracteata (Gardner) E.E.Schill. & Panero, conta uma história de heroísmo e de características marcantes. O gênero, *Aldama*, foi nomeado em homenagem a Juan Aldama, um herói da Guerra da Independência do México, um tributo à bravura que esta planta também exibe em seu ambiente hostil. O epíteto específico, *bracteata*, vem do latim e significa “provida de brácteas”, uma referência às brácteas foliares vistosas que frequentemente se encontram na base de suas inflorescências, uma de suas características distintivas. Por muito tempo, esta espécie foi conhecida como *Viguiera bracteata*, e sua recente reclassificação no gênero *Aldama* reflete os avanços da ciência em compreender a complexa árvore da vida da família do girassol.
A Margarida-do-cerrado é um tesouro nativo e endêmico do Brasil. Sua casa é o coração do país, o bioma Cerrado, onde ela é uma presença constante e vibrante nos campos abertos do Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. É uma planta que não apenas tolera, mas prospera sob o regime de fogo e seca que define seu lar. Ter uma semente de *Aldama bracteata* é ter em mãos a promessa de cultivar um pedaço do sol do Cerrado, uma planta que alimenta a fauna, colore a paisagem e nos ensina sobre a beleza indomável da flora brasileira.
Aparência: Como reconhecer a Margarida-do-cerrado?
Reconhecer a Aldama bracteata é identificar uma planta de postura ereta e de uma rusticidade que se revela em cada detalhe de sua forma. Ela se apresenta como uma erva, subarbusto ou arbusto, com uma forma de crescimento cespitosa, ou seja, ela forma densas touceiras com múltiplos ramos aéreos que partem de uma base comum, atingindo de 0,4 a 2 metros de altura. O verdadeiro segredo de sua resiliência, no entanto, está sob a terra. A planta possui um caule subterrâneo espessado e raízes tuberosas, um conjunto de órgãos de reserva conhecido como xilopódio. É nesta fortaleza subterrânea que ela armazena a energia necessária para sobreviver à seca e para rebrotar com um vigor explosivo após a passagem do fogo.
As folhas são longas, de formato lanceolado a linear, e sésseis (sem pecíolo), brotando diretamente dos ramos. A textura é cartácea e escabrosa, ou seja, áspera como uma lixa ao toque. Esta aspereza, causada por pequenos pelos rígidos, é uma defesa eficiente contra a herbivoria e ajuda a reduzir a perda de água sob o sol intenso do Cerrado. As folhas são de um verde-claro e possuem três nervuras principais proeminentes, um traço característico.
A inflorescência é o que a consagra como a margarida ou girassol do Cerrado. É um capítulo, a estrutura típica da família Asteraceae, que se assemelha a uma única flor, mas que na verdade é um agrupamento de centenas de flores diminutas. O capítulo é do tipo radiado, possuindo dois tipos de flores: na borda, as flores do raio, com suas longas lígulas de um amarelo-ouro vibrante, que funcionam como as “pétalas” e servem para atrair os polinizadores; e no centro, as flores do disco, pequenas, tubulares e também amarelas, que são as flores férteis onde o pólen e o néctar são produzidos. Os capítulos podem ser solitários no topo dos ramos ou agrupados em inflorescências maiores.
O fruto é uma cipsela, um pequeno fruto seco que contém uma única semente. No caso da Aldama bracteata, a cipsela é de formato obovoide e coberta por pelos sedosos. No topo do fruto, encontra-se o pápus, a estrutura que auxilia na dispersão. Ele é formado por duas aristas (cerdas rígidas) principais e por várias escamas menores, que podem ser livres ou unidas na base. Esta pequena coroa de aristas e escamas é o gancho que prenderá a semente em sua jornada para um novo lar.
Ecologia, Habitat & Sucessão da Margarida-do-cerrado
A ecologia da Aldama bracteata é uma celebração da vida sob o sol e uma ode à ressurreição pelo fogo. Esta espécie é uma habitante por excelência do bioma Cerrado, prosperando em suas fisionomias mais abertas, como o Cerrado *lato sensu* e os campos limpos. Ela é uma planta que necessita de sol pleno e que está perfeitamente adaptada aos solos bem drenados, ácidos e pobres em nutrientes que caracterizam o planalto central brasileiro. Sua presença é um sinal de um ecossistema de savana saudável e funcional.
A sua relação com o fogo é o ponto central de sua estratégia de vida. A Margarida-do-cerrado é uma pirófita, uma planta que evoluiu em um ambiente onde o fogo é um evento natural e recorrente. Quando as queimadas passam, suas partes aéreas são consumidas. No entanto, seu xilopódio e suas raízes tuberosas, protegidos sob a camada de solo, permanecem intactos. Estimulada pelo calor e pela súbita disponibilidade de luz e nutrientes (nas cinzas), a planta rebrota com uma força impressionante, muitas vezes produzindo uma floração ainda mais intensa e vigorosa. O fogo, para ela, não é o fim, mas um recomeço.
Na dinâmica de sucessão, a Aldama bracteata é um membro permanente da comunidade clímax dos ecossistemas campestres do Cerrado. Ela não é uma etapa de transição para uma floresta, mas sim um pilar da biodiversidade da savana. Sua presença contínua e sua capacidade de rebrota ajudam a manter a estrutura e a resiliência deste ecossistema único.
As interações com a fauna são vibrantes e essenciais. Seu capítulo grande e amarelo funciona como uma plataforma de pouso e um restaurante a céu aberto para uma vasta gama de insetos polinizadores. É uma das plantas mais importantes para as abelhas nativas do Cerrado, que coletam seu néctar e seu pólen em abundância. Borboletas, vespas e besouros também são visitantes assíduos. A dispersão de suas sementes é uma estratégia mista. As aristas do pápus podem facilitar o transporte pelo vento (anemocoria) a curtas distâncias, mas são especialmente eficazes na dispersão por adesão (epizoocoria). As sementes se prendem facilmente ao pelo de mamíferos que atravessam o campo, como o tamanduá-bandeira ou o lobo-guará, pegando uma carona para colonizar novos territórios.
Usos e Aplicações da Margarida-do-cerrado
A Margarida-do-cerrado é uma planta de uma generosidade radiante, oferecendo seus dons para a restauração de ecossistemas, para a apicultura e para o embelezamento de jardins que buscam celebrar a flora nativa. As aplicações da Aldama bracteata estão focadas em seu imenso valor ecológico e ornamental, um reflexo de sua beleza e de sua incrível rusticidade.
Seu uso ecológico é o mais nobre e impactante. Como uma espécie nativa e perfeitamente adaptada às condições do Cerrado, ela é uma ferramenta de primeira linha para a restauração de áreas degradadas neste bioma, especialmente para a recuperação de campos e pastagens abandonadas. Sua capacidade de sobreviver ao fogo, de tolerar a seca e de atrair uma imensa quantidade de polinizadores a torna uma espécie-chave para reativar as interações ecológicas e para aumentar a resiliência do ecossistema em recuperação.
Seu valor apícola é imenso. A Aldama bracteata é uma planta melífera de grande importância, fornecendo uma fonte abundante e de alta qualidade de néctar e pólen para as abelhas. Seu cultivo é um apoio direto à apicultura e, mais importante, à conservação das abelhas nativas, que são essenciais para a polinização de todo o ecossistema do Cerrado. Plantar a Margarida-do-cerrado é um ato de semear alimento para os guardiões alados da biodiversidade.
O seu potencial ornamental é extraordinário para o paisagismo que valoriza a sustentabilidade e a identidade brasileira. É a escolha perfeita para a criação de jardins de inspiração no Cerrado, para jardins de baixa manutenção e consumo de água (xeriscaping) e para a formação de canteiros naturalistas que explodem em cor durante sua longa estação de floração. Suas flores amarelas e solares trazem alegria e vida ao jardim, e sua capacidade de atrair abelhas e borboletas o transforma em um pequeno santuário de biodiversidade. Na medicina popular, o gênero *Viguiera*, ao qual ela pertenceu, possui espécies utilizadas por suas propriedades anti-inflamatórias, e é possível que a *Aldama bracteata* compartilhe destes potenciais, merecendo mais estudos.
Cultivo & Propagação da Margarida-do-cerrado
Cultivar a Margarida-do-cerrado é trazer a resiliência e a alegria do sol do planalto central para o seu jardim. A propagação da Aldama bracteata, embora exija a compreensão de sua natureza amante do sol e do solo seco, é um processo que recompensa com uma planta de beleza duradoura e de baixíssima manutenção.
A propagação se inicia com a coleta das sementes, que estão nos frutos (cipselas) maduros. O momento ideal para a coleta é quando os capítulos estão secos e as brácteas involucrais começam a se abrir, expondo as sementes escuras. As sementes podem ser facilmente debulhadas manualmente do receptáculo seco.
As sementes de plantas do Cerrado frequentemente possuem mecanismos de dormência que precisam ser superados. Para a Aldama bracteata, a germinação pode ser beneficiada por estímulos de luz. A semeadura deve ser feita em um substrato que imite o solo do Cerrado: muito arenoso e bem drenado. As sementes devem ser espalhadas na superfície e cobertas com uma camada quase imperceptível de areia fina, ou simplesmente pressionadas levemente contra o substrato, para garantir a exposição à luz. A umidade deve ser mantida com um borrifador, sem encharcamento.
As mudas de Margarida-do-cerrado devem ser cultivadas a pleno sol desde o início. O crescimento da parte aérea pode ser moderado, pois a planta investe muita energia na formação de seu robusto sistema subterrâneo (xilopódio). Uma vez estabelecidas, as plantas são extremamente resistentes à seca e não necessitam de irrigações frequentes. O excesso de umidade, na verdade, é mais prejudicial do que a falta dela.
O plantio da Aldama bracteata é ideal para a composição de jardins de rocha, canteiros de inspiração campestre e para a restauração ecológica de campos nativos. Ela prosperará em locais de sol pleno, com solo bem drenado, e recompensará o cultivador com suas flores solares ano após ano, mostrando a beleza e a força da flora do Cerrado.
Referências utilizadas para a Margarida-do-cerrado
Esta descrição detalhada da Aldama bracteata foi construída com base nas informações taxonômicas oficiais e em um profundo respeito e conhecimento sobre a ecologia e as adaptações da flora do Cerrado. O objetivo foi criar um retrato completo que celebra a beleza, a resiliência e a importância ecológica desta margarida nativa. As referências a seguir são a base de conhecimento que sustenta esta narrativa.
• Magenta, M.A.G. Aldama in Flora e Funga do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em: <https://floradobrasil.jbrj.gov.br/FB126124>. Acesso em: 22 jul. 2025. (Fonte primária para dados taxonômicos, morfológicos e de distribuição oficial).
• Schilling, E.E. & Panero, J.L. 2011. A Revised Classification of Subtribe Helianthinae (Asteraceae: Heliantheae) II. Derived Lineages. Botanical Journal of the Linnean Society, 167(3), 311-331. (O estudo fundamental que reclassificou o gênero *Viguiera* em *Aldama*).
• Magenta, M.A.G. & Pirani, J.R. 2014. Novidades taxonômicas em *Aldama* (Asteraceae-Heliantheae). Rodriguésia, 65(1), 175-192. (Estudo sobre a diversidade do gênero no Brasil).
• Almeida, S.P. de, et al. 1998. Cerrado: espécies vegetais úteis. Embrapa-CPAC, Planaltina, DF. (Referência chave para os usos tradicionais de plantas do Cerrado).
• Ribeiro, J.F. & Walter, B.M.T. 2008. As principais fisionomias do bioma Cerrado. In: Sano, S.M., Almeida, S.P. & Ribeiro, J.F. (Eds.). Cerrado: ecologia e flora. Embrapa Cerrados, Planaltina, DF. pp. 151-212. (Contextualização da ecologia e das adaptações da flora do Cerrado, como as plantas xilopodíferas).
• Gardner, G. 1848. Contributions towards a Flora of Brazil. London Journal of Botany, 7, 399. (Publicação onde a espécie foi originalmente descrita como *Viguiera bracteata*).
















