Introdução & Nomenclatura do Algodão-do-cerrado
No coração do Brasil, o final da estação seca é um tempo de espera, uma paisagem de tons ocres e cinzentos que anseia pela chegada das chuvas. E é neste cenário de aparente dormência que a natureza nos presenteia com um de seus mais dramáticos e belos espetáculos. Dos galhos nus e retorcidos de um pequeno arbusto, brotam flores imensas, de um amarelo-ouro tão vibrante que parecem fragmentos do próprio sol. Este é o florescer do Algodão-do-cerrado, de nome científico Cochlospermum regium. Seus nomes populares, como Algodãozinho-do-campo ou Algodão-bravo, revelam a segunda parte de sua história: os frutos que se seguem a estas flores se abrem para liberar uma paina macia e sedosa, um algodão silvestre que carrega as sementes em uma jornada pelo vento.
O nome científico, Cochlospermum regium (Mart. ex Schrank) Pilg., é uma celebração de sua forma e de sua nobreza. O gênero, *Cochlospermum*, vem do grego *kochlos* (caracol) e *sperma* (semente), significando “semente em espiral”, uma referência ao formato cocleado ou de rim de suas pequenas sementes. O epíteto específico, *regium*, vem do latim e significa “real”, “digno de um rei”. E não há nome mais justo para uma planta que ostenta uma floração tão majestosa e dourada. Parente próximo do Urucum (família Bixaceae), ela compartilha com ele a vocação de colorir a paisagem e de oferecer dons preciosos.
A Cochlospermum regium é uma espécie nativa de uma vasta área da América do Sul, mas é no Brasil que ela se manifesta em sua plenitude, sendo um dos mais emblemáticos e amados arbustos do bioma Cerrado. Sua presença se estende, no entanto, por enclaves de savana na Amazônia e na Caatinga, e até mesmo no Pantanal, sempre em busca dos ambientes abertos e ensolarados que são a sua paixão. Ter uma semente de Algodão-do-cerrado em mãos é ter a promessa de cultivar um dos mais belos espetáculos da nossa flora, uma planta que é um símbolo da ressurreição da vida após a seca e uma fonte de matéria-prima e de cura para o povo do sertão.
A história desta planta é uma lição sobre a beleza que nasce da rusticidade. Seus galhos tortuosos, sua capacidade de sobreviver ao fogo e de florescer nas condições mais adversas são a prova de uma força extraordinária. Mas é na delicadeza de suas pétalas amarelas, que parecem feitas de papel de seda amassado, e na suavidade de sua paina, que ela revela sua alma. É uma planta de contrastes, que nos ensina que a maior beleza muitas vezes surge da maior das resistências. Sua longa lista de sinônimos, como *Cochlospermum insigne* e *Maximilianea regia*, apenas reforça o quanto esta planta magnífica tem fascinado os botânicos por séculos, cada um tentando capturar em um nome a essência de sua realeza.
Aparência: Como reconhecer o Algodão-do-cerrado?
Reconhecer o Algodão-do-cerrado é identificar uma planta de porte humilde, mas de uma floração e de uma estrutura de sobrevivência de proporções grandiosas. A Cochlospermum regium se apresenta como um subarbusto ou arbusto de múltiplos caules, geralmente de 1 a 3 metros de altura, embora possa, em raras ocasiões, assumir um porte de arvoreta. A sua verdadeira força, no entanto, não está visível. Sob a terra, a planta desenvolve um xilopódio, uma estrutura subterrânea lenhosa e espessada, que pode atingir grandes dimensões. Este “coração de madeira” é a sua fortaleza, o seu cofre de reservas que a protege da seca e do fogo e de onde a vida rebrota com um vigor espetacular a cada novo ciclo.
As folhas são grandes, decíduas, e de uma forma que lembra as de uma figueira ou de um mamoeiro. Elas são simples e palmatilobadas, com 3 a 5 lobos profundos e de pontas agudas. A textura é firme (cartácea) e a superfície pode ser lisa ou coberta por uma fina camada de pelos. As folhas estão presentes durante a estação chuvosa, cumprindo seu papel de realizar a fotossíntese e de abastecer o xilopódio. Com a chegada da estação seca, elas caem, e a planta entra em um período de dormência, preparando-se para o seu grande ato.
A floração é o evento mais espetacular da Cochlospermum regium. Ocorre no final da estação seca, quando a planta está completamente sem folhas. Dos ápices dos ramos nus, brotam grandes inflorescências (panículas ou racemos), que sustentam as flores. E que flores! São grandes, vistosas, com 8 a 12 cm de diâmetro. Cada flor possui cinco pétalas de um amarelo-ouro intenso e brilhante. As pétalas são delicadas, com uma textura fina e um aspecto “amassado”, como se fossem de papel crepom. No centro da flor, destaca-se um globo denso de numerosos estames, também amarelos, que criam um belo contraste de texturas. A visão de um Algodão-do-cerrado em plena floração é um dos mais belos e emblemáticos espetáculos da paisagem brasileira.
O fruto é a origem de seu nome popular. É uma cápsula de formato piriforme (de pera), pendente, que se abre na maturidade em 3 a 5 valvas lenhosas. O interior da cápsula é preenchido por uma massa densa de paina, uma fibra vegetal extremamente fina, macia e sedosa, de cor branca a acinzentada, que se assemelha a uma bola de algodão.
Em meio a esta paina, encontram-se as sementes. Elas são pequenas, de formato cocleado (de caracol) ou reniforme (de rim), e de cor escura. São as portadoras da herança genética desta planta magnífica, prontas para serem levadas pelo vento, envoltas em seu casulo de algodão, para dar início a um novo sol dourado no Cerrado.
Ecologia, Habitat & Sucessão do Algodão-do-cerrado
A ecologia da Cochlospermum regium é uma aula magna sobre a vida na savana. Esta planta é uma das espécies mais características e bem-sucedidas do bioma Cerrado, mas sua adaptabilidade a permite ocupar também as fisionomias de savana da Amazônia e da Caatinga, e até mesmo as áreas abertas do Pantanal. Ela é uma especialista em ambientes de pleno sol, solos profundos e bem drenados, e um regime climático de forte sazonalidade, com uma estação seca prolongada e a presença regular do fogo.
Sua relação com o fogo é uma das mais íntimas e definidoras de sua existência. O Algodão-do-cerrado é uma pirófita, uma “planta de fogo”. Seu xilopódio massivo é a sua garantia de imortalidade face às chamas. Enquanto a parte aérea pode ser consumida, a estrutura subterrânea, rica em reservas, permanece intacta. O fogo, ao eliminar a competição e estimular a quebra de dormência de suas sementes no solo, cria as condições ideais para a sua regeneração. A floração espetacular no final da estação seca, quando a paisagem está mais aberta após as queimadas, é uma estratégia para maximizar a visibilidade de suas flores para os polinizadores.
Na dinâmica de sucessão, o Algodão-do-cerrado é uma espécie pioneira por excelência. É uma das primeiras a colonizar e a florescer em áreas perturbadas ou recém-queimadas. Seu crescimento é rápido, e seu estabelecimento ajuda a proteger o solo e a iniciar o processo de sucessão ecológica, embora ela permaneça como um membro constante da comunidade clímax das formações de campo e de cerrado.
As interações com a fauna são um espetáculo de cores e de vida. A polinização de suas flores grandes e amarelas é um exemplo clássico de melitofilia, a polinização por abelhas. Os principais polinizadores são abelhas de grande porte, como as mamangavas, que são atraídas pela cor e pela farta oferta de pólen. Estas abelhas frequentemente praticam a polinização por vibração (“buzz pollination”), agarrando-se às anteras e vibrando seus músculos para liberar o pólen, em uma dança de som e de cor.
A dispersão de suas sementes é uma parceria com o vento. A estratégia é a anemocoria. Quando as cápsulas se abrem, a massa de paina, com as pequenas sementes presas a ela, é arrancada pelas correntes de ar. A paina funciona como um paraquedas, permitindo que o vento transporte as sementes por longas distâncias, garantindo a colonização de novas áreas abertas e ensolaradas na vastidão do Cerrado.
Usos e Aplicações do Algodão-do-cerrado
O Algodão-do-cerrado é uma planta de uma generosidade imensa, cujas aplicações vão desde o conforto de um travesseiro macio até a cura na medicina popular e a beleza estonteante no paisagismo. Os usos da Cochlospermum regium refletem a riqueza que se esconde em sua rusticidade.
Seu uso mais conhecido e tradicional é o de sua paina. A fibra sedosa e macia que envolve as sementes é o “algodão” que lhe dá o nome. É uma fibra leve, com boas propriedades de isolamento térmico, e que não se compacta facilmente. Por estas razões, é utilizada como um enchimento natural de alta qualidade para travesseiros, almofadas, colchões e bichos de pelúcia. É um material hipoalergênico e sustentável, uma alternativa ecológica às espumas sintéticas.
Na medicina tradicional, o Algodão-do-cerrado é uma planta de grande prestígio, especialmente para a saúde feminina. O chá de suas raízes (o xilopódio) é um remédio popular consagrado para o tratamento de inflamações uterinas e ovarianas e para a regulação de distúrbios menstruais. Também é utilizado como um poderoso anti-inflamatório geral, para o tratamento de reumatismo e de infecções da pele. Estudos científicos têm investigado seus compostos, que demonstram atividades anti-inflamatórias e antimicrobianas promissoras.
O seu valor ecológico é fundamental. Como uma das espécies mais características e resilientes do Cerrado, ela é uma peça-chave para a restauração de áreas degradadas neste bioma. Sua capacidade de prosperar em solos pobres e de rebrotar após o fogo a torna uma das melhores escolhas para iniciar a recuperação da flora nativa. O valor ornamental da Cochlospermum regium é espetacular. Sua floração dourada e massiva, que ocorre nos galhos nus, cria um impacto visual de uma beleza incomparável. É uma das mais belas espécies arbustivas nativas para o paisagismo, ideal para jardins de inspiração no Cerrado e para o xeriscaping.
Cultivo & Propagação do Algodão-do-cerrado
Cultivar um Algodão-do-cerrado é um convite a ter no jardim o espetáculo anual do sol que brota da terra. A propagação da Cochlospermum regium a partir de sementes é um processo relativamente simples, que recompensa com uma planta de beleza estonteante e de uma força vital admirável.
O ciclo começa com a coleta das sementes, que se encontram em meio à paina dentro dos frutos maduros e abertos. As sementes devem ser cuidadosamente separadas da fibra, o que pode ser feito manualmente. As sementes de Algodão-do-cerrado, como as de muitas pioneiras, não apresentam dormência profunda e germinam com facilidade.
A semeadura deve ser feita em um substrato arenoso e bem drenado, em sacos de mudas ou tubetes. As sementes devem ser cobertas com uma fina camada de terra. A germinação é rápida, ocorrendo em 2 a 4 semanas. As mudas de Cochlospermum regium devem ser cultivadas a pleno sol. O crescimento da parte aérea é rápido, e a planta pode florescer já a partir do segundo ou terceiro ano após o plantio. A planta investirá muita energia na formação de seu xilopódio, sua garantia de sobrevivência a longo prazo.
O plantio da Cochlospermum regium é ideal para a restauração de áreas de Cerrado e para o paisagismo em jardins que buscam um visual naturalista e de baixa manutenção. É uma espécie que exige sol pleno e solo bem drenado, não tolerando encharcamento. É uma planta que recompensa o cultivador com sua floração magnífica e com a certeza de estar cultivando um dos mais autênticos e belos símbolos da flora brasileira.
Referências utilizadas para o Algodão-do-cerrado
Esta descrição detalhada da Cochlospermum regium foi construída com base em fontes científicas de alta credibilidade e na rica documentação etnobotânica sobre a flora medicinal do Cerrado. O objetivo foi criar um retrato completo que celebra a beleza real, a resiliência e os múltiplos dons desta planta tão especial. As referências a seguir são a base de conhecimento que sustenta esta narrativa.
• Antar, G.M. Bixaceae in Flora e Funga do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em: <https://florabrasil.jbrj.gov.br/FB27545>. Acesso em: 25 jul. 2025. (Fonte primária para dados taxonômicos, morfológicos e de distribuição oficial).
• Poppendieck, H.-H. 1981. Cochlospermaceae. Flora Neotropica Monograph, 27, 1-34. (A mais completa revisão da família, fundamental para a compreensão da espécie).
• Lorenzi, H. & Matos, F.J.A. 2008. Plantas Medicinais no Brasil: Nativas e Exóticas. 2ª ed. Instituto Plantarum, Nova Odessa, SP. (Referência chave para os usos medicinais do Algodão-do-cerrado).
• Almeida, S.P. de, et al. 1998. Cerrado: espécies vegetais úteis. Embrapa-CPAC, Planaltina, DF. (Referência para os usos tradicionais da paina e de outras partes da planta).
• Ribeiro, J.F. & Walter, B.M.T. 2008. As principais fisionomias do bioma Cerrado. In: Sano, S.M., Almeida, S.P. & Ribeiro, J.F. (Eds.). Cerrado: ecologia e flora. Embrapa Cerrados, Planaltina, DF. pp. 151-212. (Contextualização da ecologia e das adaptações da flora do Cerrado, como as plantas xilopodíferas).
• Pilger, R.K.F. 1924. Über die exostomatischen und die endostomatischen Samen der Gattung Cochlospermum Kunth. Notizblatt des Botanischen Gartens und Museums zu Berlin-Dahlem, 8, 716. (Publicação onde a combinação *Cochlospermum regium* foi estabelecida).















