Introdução & Nomenclatura do Bacuri
No vasto e rico universo das frutas brasileiras, o nome “Bacuri” ressoa com uma promessa de sabor intenso e de polpa cremosa. Geralmente, ele nos remete ao famoso *Platonia insignis*, o rei dos doces e sorvetes de muitas regiões. No entanto, a sabedoria popular, em sua fluidez, por vezes concede o mesmo título a outras árvores de frutos igualmente valorosos. É o caso da magnífica árvore que hoje desvendamos, a Garcinia macrophylla, um parente próximo do mangostão, a “rainha das frutas”, que em muitas partes do Brasil também é honrada com o nome de Bacuri. Para distingui-la, é por vezes chamada de Bacuri-liso, Bacuri-caraquento ou Bacuri-maxixe. Conhecer este “outro” Bacuri é uma lição sobre a riqueza e a complexidade da nossa biodiversidade e da nossa cultura. É entender que a natureza, assim como as famílias humanas, possui ramos diversos, com primos que, embora compartilhem um ar de família, têm personalidades únicas e encantadoras.
A nomenclatura científica, Garcinia macrophylla Mart., nos posiciona dentro da prestigiosa família Clusiaceae e do gênero *Garcinia*, mundialmente famoso por nos ter dado o mangostão (*Garcinia mangostana*). O epíteto específico, macrophylla, vem do grego e significa “com folhas grandes”, uma descrição perfeita para a folhagem exuberante desta árvore. A história taxonômica da espécie a viu ser classificada por muito tempo no gênero *Rheedia*, como *Rheedia macrophylla*, nome pelo qual ainda é conhecida em muitas publicações antigas. A ciência, ao refinar seu entendimento, a posicionou corretamente dentro do gênero *Garcinia*, aproximando-a de suas parentes mais famosas. Estudar a *Garcinia macrophylla* é, portanto, valorizar uma frutífera nativa de imenso potencial, uma fonte de sabores exóticos e de compostos bioativos que apenas começamos a compreender. É uma oportunidade de diversificar nossos pomares e de proteger um patrimônio genético que faz parte da solução para uma alimentação mais rica e sustentável.
Aparência: Como reconhecer o Bacuri
A identificação da Garcinia macrophylla na floresta é o reconhecimento de uma árvore de porte majestoso, folhagem luxuriante e frutos de uma cor e forma singulares. Este Bacuri se apresenta como uma árvore de médio a grande porte, que pode atingir de 10 a 30 metros de altura, com uma presença imponente no dossel da floresta. O tronco é reto e cilíndrico, com uma casca de cor escura, e toda a planta, quando ferida, exuda um látex amarelo e espesso, uma característica marcante da família Clusiaceae. A copa é densa, de formato piramidal a arredondado, proporcionando uma sombra profunda e um ambiente fresco sob sua cobertura.
As folhas são o que dá nome à espécie e são seu principal atributo vegetativo. São folhas gigantes (“macrophylla”), simples, opostas, que podem atingir até 40 cm de comprimento. O formato é elíptico a oblongo, e a textura é espessa e coriácea (semelhante a couro), de um verde-escuro e brilhante na face superior. A nervação é proeminente e paralela, criando um padrão de relevo muito bonito na superfície da folha. A floração é discreta, mas charmosa. As flores são pequenas, de cor branca, e surgem em fascículos (pequenos cachos) diretamente nas axilas das folhas ou nos ramos mais finos. O grande espetáculo, no entanto, é o fruto. O fruto do *Garcinia macrophylla* é uma baga de formato ovoide a globoso, com cerca de 5 a 7 cm de comprimento. A casca é lisa e, quando madura, adquire uma cor amarelo-vivo, tornando-se um sinalizador visual poderoso na floresta. Uma característica inconfundível do fruto é a presença de um “rostro”, uma pequena ponta ou bico no ápice, que é um resquício do estigma da flor. Ao ser aberto, o fruto revela uma polpa branca, translúcida, mucilaginosa e de sabor agridoce, que envolve de uma a várias sementes grandes e elípticas. A experiência de encontrar e saborear um fruto deste Bacuri é uma das mais autênticas da floresta, uma mistura de doçura e acidez que reflete a complexidade de seu ecossistema.
Ecologia, Habitat & Sucessão do Bacuri
A ecologia da Garcinia macrophylla é a de uma espécie de uma plasticidade e adaptabilidade admiráveis, uma verdadeira rainha capaz de prosperar nos mais diversos ambientes florestais do Brasil. Este Bacuri é uma árvore nativa de vasta distribuição, sendo um componente significativo de três dos nossos maiores biomas: Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica. Sua capacidade de se adaptar a diferentes condições é notável. Na Amazônia, ela é encontrada tanto na Floresta de Terra Firme quanto nas Florestas de Várzea e Igapó. No Cerrado, habita as Matas de Galeria, e na Mata Atlântica, as Florestas Ombrófilas. Esta incrível amplitude de habitats, que vai de solos bem drenados a solos permanentemente encharcados, demonstra uma resiliência fisiológica extraordinária e a torna uma das árvores mais bem-sucedidas de nossas matas.
No que tange à sucessão ecológica, a *Garcinia macrophylla* é classificada como uma espécie de estágios tardios, uma secundária tardia a clímax. Sua estratégia de vida é a da longevidade e da persistência. Ela não é uma pioneira de crescimento rápido, mas sim uma árvore que cresce lentamente sob o dossel da floresta, tolerando a sombra em seus estágios iniciais. Sua presença em uma área é um indicador de um ecossistema maduro e estruturado. As interações da *Garcinia macrophylla* com a fauna são o pilar de seu papel ecológico. Suas flores são polinizadas por insetos, como abelhas e vespas. A dispersão de suas sementes, no entanto, é seu principal serviço para a floresta. Seus frutos grandes, de casca amarela e polpa nutritiva, são um recurso alimentar valioso para uma grande diversidade de animais. Mamíferos de médio e grande porte, como macacos, antas, pacas, cotias e quatis, são seus principais consumidores e dispersores. Eles se alimentam da polpa e carregam as sementes grandes por toda a floresta, depositando-as em novos locais e garantindo a regeneração da espécie. Aves de bico grande, como tucanos e araçaris, também podem consumir os frutos. Esta intensa interação com a fauna frugívora faz do Bacuri uma espécie-chave para a manutenção da biodiversidade e para a saúde e a conectividade de nossas florestas.
Usos e Aplicações do Bacuri
A Garcinia macrophylla é uma árvore de um potencial imenso, cujos usos e aplicações vão da alimentação humana à medicina popular e à recuperação de ecossistemas. O principal uso deste Bacuri é o alimentar. Sua polpa, de sabor agridoce e exótico, é muito apreciada para o consumo *in natura* pelas populações locais. É uma fruta refrescante e de sabor marcante. Além do consumo fresco, a polpa é utilizada no preparo de sucos, sorvetes, cremes e doces, sendo uma matéria-prima de grande potencial para a indústria de alimentos e para a alta gastronomia, que busca sabores novos e autênticos da biodiversidade brasileira. Por pertencer ao mesmo gênero do mangostão, o potencial de seu fruto é enorme e ainda pouco explorado comercialmente.
Na medicina popular, a família Clusiaceae é uma fonte riquíssima de compostos bioativos, e a *Garcinia macrophylla* não é exceção. O látex amarelo, extraído da casca, é utilizado tradicionalmente como cicatrizante e para o tratamento de infecções de pele. A casca e as folhas, em forma de chá ou decocto, são empregadas para tratar inflamações, dores e problemas gastrointestinais. A ciência tem se interessado cada vez mais pelo gênero *Garcinia*, que é uma fonte conhecida de xantonas, substâncias com potente atividade antioxidante e anti-inflamatória. A madeira do Bacuri é de boa qualidade, sendo moderadamente pesada e de boa durabilidade, utilizada na construção civil local e para a marcenaria. Na restauração ecológica, por ser uma espécie de clímax que atrai massivamente a fauna, seu plantio é altamente recomendado em projetos de enriquecimento de florestas secundárias, especialmente em áreas ciliares, devido à sua tolerância à umidade. O cultivo do *Garcinia macrophylla* representa uma oportunidade de diversificar a produção de frutas no Brasil, de gerar renda para comunidades locais através da bioeconomia e de conservar uma espécie que é um verdadeiro tesouro de sabores e de saúde.
Cultivo & Propagação do Bacuri
O cultivo do Bacuri da família do mangostão é uma jornada que recompensa o agricultor e o paisagista com uma árvore de beleza exuberante e frutos de sabor exótico e delicioso. A propagação da Garcinia macrophylla é feita principalmente por sementes, que devem ser extraídas de frutos bem maduros e sadios. O sucesso do cultivo começa com o manuseio correto das sementes. Elas são recalcitrantes, o que significa que perdem a capacidade de germinar muito rapidamente se secarem. Portanto, o plantio deve ser realizado imediatamente após a extração e a limpeza das sementes. O primeiro passo é remover toda a polpa que envolve as sementes, lavando-as bem em água corrente.
As sementes frescas de *Garcinia macrophylla* não apresentam dormência e estão prontas para germinar. A semeadura deve ser feita em recipientes individuais, como saquinhos plásticos de bom tamanho, pois as mudas desenvolvem uma raiz pivotante robusta. O substrato deve ser rico em matéria orgânica e ter boa capacidade de retenção de umidade, simulando o solo da floresta. As sementes devem ser enterradas a uma profundidade de 2 a 3 cm. Os recipientes devem ser mantidos em um local com sombra parcial (cerca de 50% de sombreamento), pois as plântulas são adaptadas a nascer sob a proteção da floresta. O substrato deve ser mantido sempre úmido. A germinação é considerada lenta, podendo levar de 40 a 120 dias para ocorrer. O desenvolvimento das mudas também é lento nos estágios iniciais, como é comum em espécies de clímax. Elas devem ser mantidas no viveiro por pelo menos 10 a 12 meses, até atingirem um porte de 30 a 40 cm, quando estarão mais resistentes para o plantio no local definitivo. O plantio no campo deve ser feito no início da estação chuvosa. A árvore se adapta a uma ampla variedade de solos e condições de umidade e, uma vez estabelecida, é bastante rústica. A produção de frutos pode levar de 6 a 10 anos, um investimento de longo prazo que recompensa com décadas de colheitas e de contribuição para a biodiversidade local.
Referências
• Lorenzi, H., et al. (2006). Frutas Brasileiras e Exóticas Cultivadas. Nova Odessa, SP: Instituto Plantarum. (Nota: Embora possa não detalhar esta espécie específica, aborda o gênero e a família).
• Flora e Funga do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em: <http://floradobrasil.jbrj.gov.br/>. Acesso contínuo para a verificação da nomenclatura oficial, sinônimos (*Rheedia macrophylla*) e da vasta distribuição geográfica da espécie.
• Pennington, T. D., & Sarukhán, J. (2005). Arboles tropicales de México: manual para la identificación de las principales especies. 3ª ed. UNAM. (Nota: Muitas espécies de *Garcinia* neotropicais são abordadas).
• Artigos científicos sobre a fitoquímica e as propriedades medicinais do gênero *Garcinia*, e sobre a ecologia e o cultivo de frutíferas amazônicas, disponíveis em bases de dados como SciELO, PubMed e Google Scholar.
• Publicações da Embrapa sobre frutíferas nativas da Amazônia, que discutem o potencial de espécies como o Bacuri e outras Clusiáceas.














