Introdução & Nomenclatura da Castanha-do-pará
No coração da vasta Floresta Amazônica, erguem-se catedrais vivas, árvores que testemunharam a passagem de séculos e que sustentam em seus galhos uma teia de vida de uma complexidade estonteante. A mais célebre dessas catedrais é a Castanheira, a árvore que nos presenteia com a Castanha-do-pará ou Castanha-do-brasil, cientificamente conhecida como Bertholletia excelsa. Seus nomes populares já revelam sua importância e sua origem, associando-a de forma indelével à Amazônia brasileira. Mas seu valor transcende as fronteiras, sendo conhecida em espanhol como “castaña-del-brasil” ou “nuez-del-brasil”. A Castanheira não é apenas uma árvore; é um pilar da economia da floresta, um símbolo da sociobiodiversidade e um exemplo perfeito de como a conservação ambiental e o desenvolvimento humano podem caminhar juntos. Conhecer a Castanheira é entender a importância de se manter a floresta em pé, pois é apenas no coração de um ecossistema íntegro e saudável que esta gigante pode cumprir seu ciclo de vida e nos oferecer seus tesouros.
A nomenclatura científica, Bertholletia excelsa Bonpl., é uma homenagem a sua nobreza e a seus descobridores. O gênero Bertholletia foi nomeado em honra ao químico francês Claude Louis Berthollet, um contemporâneo dos grandes exploradores. O epíteto específico, excelsa, vem do latim e significa “excelsa”, “elevada”, “sublime”, uma descrição perfeita para uma das árvores mais altas da Amazônia. A espécie foi descrita pelo botânico francês Aimé Bonpland, que acompanhou Alexander von Humboldt em sua épica expedição pela América do Sul. É interessante notar que o gênero *Bertholletia* é monotípico, ou seja, a *B. excelsa* é sua única representante, o que a torna ainda mais especial e única. Estudar a Castanheira é, portanto, uma lição sobre a grandiosidade da natureza e sobre a complexidade das relações ecológicas. É reconhecer que a existência desta árvore, e do fruto que tanto apreciamos, depende de um balé delicado entre abelhas gigantes, pequenos roedores e a imensidão de uma floresta conservada.
Aparência: Como reconhecer a Castanheira
A identificação da Castanheira na floresta é o reconhecimento de um verdadeiro colosso, uma árvore cujas dimensões e características são superlativas. A Bertholletia excelsa é uma árvore emergente, uma das maiores da flora brasileira, que pode atingir de 30 a 50 metros de altura, com um diâmetro de tronco que pode superar os 2 metros. Seu tronco é reto, cilíndrico e limpo de galhos na maior parte de sua extensão, elevando-se como uma coluna maciça em direção ao céu. A casca é grossa, de cor acinzentada, e com profundas fissuras longitudinais. A copa se forma apenas no topo da árvore, acima do dossel da floresta, onde se abre como um grande guarda-chuva, com galhos robustos que podem se estender por mais de 30 metros de diâmetro.
A folhagem é composta por folhas simples, grandes, de formato oblongo e com uma textura coriácea. As flores, embora relativamente grandes (cerca de 3 cm), parecem pequenas em meio à imensidão da árvore. Elas são de cor creme a amarelada e possuem uma estrutura complexa, com seis pétalas e um capuz de estames (o androceu) que se curva sobre o centro da flor, uma característica da família Lecythidaceae. O fruto, no entanto, é o seu elemento mais icônico e famoso: o ouriço. O ouriço é um pixídio, um tipo de cápsula lenhosa, de formato globoso, que pode medir de 10 a 15 cm de diâmetro e pesar até 2 quilos. Sua casca é extremamente dura e espessa (até 1,5 cm), uma verdadeira fortaleza de madeira. O ouriço é funcionalmente indeiscente, o que significa que, embora possua uma pequena abertura (opérculo), ela é pequena demais para que as sementes saiam sozinhas. A queda de um ouriço maduro, de uma altura de 50 metros, é um evento perigoso e um dos sons mais característicos da floresta. Dentro desta arca do tesouro, encontram-se de 10 a 25 sementes, as nossas amadas castanhas. As sementes (que botanicamente são as castanhas) são de formato triangular e se encaixam perfeitamente umas nas outras, como os gomos de uma laranja. Cada castanha é protegida por sua própria casca lenhosa e rugosa, e em seu interior, guarda a amêndoa branca, oleosa e nutritiva que é um dos maiores presentes da Amazônia para o mundo.
Ecologia, Habitat & Sucessão da Castanheira
A ecologia da Bertholletia excelsa é uma das mais fascinantes e complexas do mundo vegetal, um exemplo primoroso de coevolução e de interdependência que nos ensina sobre a fragilidade dos ecossistemas. A Castanheira é uma espécie nativa do bioma Amazônia, sendo um componente característico da Floresta de Terra Firme. Ela não ocorre em áreas inundáveis. É uma árvore que precisa de solos profundos e bem drenados para se desenvolver. Sua ocorrência está associada a florestas primárias, de dossel alto e com alto grau de conservação.
No que tange à sucessão ecológica, a Castanheira é uma espécie clímax por excelência. Sua estratégia de vida é a da longevidade extrema (pode viver mais de 500 anos) e do crescimento lento. Suas plântulas são tolerantes à sombra, mas necessitam de aberturas de luz no dossel para crescer e atingir a maturidade. A sua reprodução depende de duas interações ecológicas tão específicas que parecem um milagre. A primeira é a polinização. Suas flores grandes e de estrutura complexa, com o capuz de estames bloqueando a entrada, só podem ser polinizadas por abelhas de grande porte e de grande força, como as abelhas-das-orquídeas (tribo Euglossini). Apenas essas abelhas conseguem levantar o capuz para acessar o néctar e, ao fazerem isso, se cobrem de pólen, que levam para outras flores. A segunda interação é a dispersão da semente. O ouriço, com sua casca impenetrável, não pode ser aberto pela maioria dos animais. O único animal da floresta com dentes fortes o suficiente para roer a casca do ouriço e acessar as sementes é a cutia (*Dasyprocta* sp.), um roedor de médio porte. A cutia, ao abrir um ouriço, come algumas castanhas e, instintivamente, enterra as outras em diversos locais da floresta para consumi-las mais tarde. Muitas dessas castanhas enterradas são esquecidas pela cutia, e são exatamente estas que encontram as condições ideais para germinar e dar origem a uma nova Castanheira. Esta parceria obrigatória entre a árvore gigante e o pequeno roedor é um dos exemplos mais emblemáticos de como a sobrevivência de uma espécie pode depender inteiramente da presença de outra. A conservação da Castanheira é, portanto, inseparável da conservação das abelhas-das-orquídeas e das cutias, e da floresta como um todo.
Usos e Aplicações da Castanheira
A Bertholletia excelsa é uma das mais importantes plantas da bioeconomia amazônica, um pilar econômico, social e cultural cuja exploração é um modelo de uso sustentável da floresta. O principal e mais valioso uso da Castanheira é a coleta e a comercialização de seu fruto, a Castanha-do-pará ou Castanha-do-brasil. A amêndoa da castanha é um superalimento de altíssimo valor nutricional. É extremamente rica em gorduras saudáveis (mono e polinsaturadas), proteínas, fibras, vitaminas e minerais. Seu grande diferencial é a concentração de selênio, um micronutriente com poderosa ação antioxidante. A Castanha-do-pará é a maior fonte natural de selênio conhecida no mundo, e o consumo de apenas uma ou duas castanhas por dia pode suprir as necessidades diárias deste mineral. As castanhas são consumidas ao natural, torradas, salgadas ou como ingrediente em uma infinidade de receitas, desde pratos salgados até doces, granolas, pães e bolos.
Toda a cadeia produtiva da castanha é baseada no extrativismo sustentável. As castanhas são coletadas no chão da floresta por comunidades tradicionais, os “castanheiros”, durante a estação da chuva. Esta atividade gera renda para milhares de famílias na Amazônia e é um dos mais fortes argumentos econômicos para a manutenção da floresta em pé, pois a árvore vale muito mais viva, produzindo frutos por séculos, do que derrubada. Das castanhas também se extrai um óleo de alta qualidade, que pode ser usado tanto na gastronomia quanto na indústria de cosméticos, em produtos para a pele e para os cabelos, por suas propriedades emolientes e hidratantes. A madeira da Castanheira é de excelente qualidade, mas seu corte é proibido por lei no Brasil, um reconhecimento de sua imensa importância ecológica e social como uma espécie produtora de alimentos. O ouriço vazio, após a retirada das castanhas, é utilizado no artesanato e como um eficiente carvão de queima lenta. A decisão de consumir a Castanha-do-pará de origem certificada é um ato que apoia diretamente a conservação da Amazônia e o modo de vida das populações que dela dependem.
Cultivo & Propagação da Castanheira
O cultivo da Castanheira é um ato de fé no futuro, um legado que se planta para os netos e bisnetos, pois se trata de uma árvore de ciclo de vida muito longo e de crescimento lento. A propagação da Bertholletia excelsa é feita por sementes (as próprias castanhas), mas o processo é notoriamente demorado e desafiador. O primeiro passo é a obtenção de sementes de boa qualidade, que devem ser provenientes de ouriços recém-caídos e de árvores matrizes sadias. As castanhas devem ser retiradas do ouriço e utilizadas para o plantio o mais breve possível, pois, embora não sejam estritamente recalcitrantes, perdem a viabilidade com o armazenamento prolongado.
As sementes da Castanheira possuem uma dormência fisiológica, além da barreira física de sua casca lenhosa. A germinação é extremamente lenta e irregular, podendo levar de 6 meses a 2 anos para ocorrer em condições normais. Diversas técnicas de quebra de dormência são pesquisadas para acelerar o processo, como a imersão em água, a escarificação mecânica (lixar ou cortar a casca), e o uso de reguladores de crescimento, mas os resultados ainda são variáveis. A semeadura deve ser feita em recipientes individuais e grandes, como sacos de polietileno, utilizando um substrato rico em matéria orgânica e bem drenado. As sementes devem ser plantadas a uma profundidade de 5 a 10 cm. Os recipientes devem ser mantidos em um local com sombra parcial, e o substrato deve estar sempre úmido. O desenvolvimento das mudas também é muito lento. Elas devem permanecer no viveiro por pelo menos 1 a 2 anos, até que estejam com um porte adequado para o plantio no campo. O plantio definitivo deve ser feito no início da estação chuvosa, em solos profundos e em áreas que permitam o pleno desenvolvimento de uma árvore que se tornará um gigante. A produção de frutos em uma Castanheira plantada só começa a ocorrer após 12 a 15 anos, no mínimo, e atinge seu pico após os 30 anos. Por todas essas razões, o cultivo comercial da Castanheira ainda é um grande desafio, e a produção mundial continua a depender quase que exclusivamente do extrativismo em florestas nativas, o que reforça a urgência de sua conservação.
Referências
• Mori, S. A., & Prance, G. T. (1990). Lecythidaceae – Part II. The zygomorphic-flowered New World genera (*Couroupita, Corythophora, Bertholletia, Couratari, Eschweilera*, & *Lecythis*). *Flora Neotropica Monograph*, 21(2), 1-376. (Nota: A monografia de referência para a família e a espécie).
• Lorenzi, H. (2002). Árvores Brasileiras: Manual de Identificação e Cultivo de Plantas Arbóreas Nativas do Brasil, Vol. 1. 4ª ed. Nova Odessa, SP: Instituto Plantarum.
• Flora e Funga do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em: <http://floradobrasil.jbrj.gov.br/>. Acesso contínuo para a verificação da nomenclatura oficial, sinônimos e distribuição geográfica da espécie.
• Publicações e documentos técnicos da Embrapa Amazônia Oriental sobre a cadeia produtiva da castanha-do-brasil, o extrativismo e as tentativas de cultivo.
• Artigos científicos sobre a ecologia da polinização e da dispersão da *Bertholletia excelsa*, e sobre as propriedades nutricionais (especialmente o selênio) de suas sementes, disponíveis em bases de dados como SciELO e Google Scholar.














