Introdução & Nomenclatura do Feijão-cru
Na imensidão das planícies do Pantanal e dos campos do Cerrado, onde o sol é inclemente e a sombra é um oásis, ergue-se uma árvore que é a própria imagem do refúgio. A Samanea tubulosa, com sua copa monumental em forma de guarda-chuva, é a grande provedora de sombra para o gado e para a fauna nativa. Mas sua generosidade vai além. Seus frutos, grandes vagens escuras, são um alimento rico em nutrientes que se tornou um pilar na sustentação dos rebanhos durante a estação seca, o que lhe rendeu o nome de **Alfarrobeira-do-campo** ou **do-pantanal**, em uma analogia à Alfarrobeira mediterrânea, também famosa por suas vagens nutritivas. Seu nome mais curioso, “Feijão-cru”, é uma descrição direta da aparência de sua vagem, que se assemelha a um grande e rústico feijão.
O nome científico, Samanea tubulosa (Benth.) Barneby & J.W.Grimes, nos conecta a uma linhagem de árvores magníficas. O gênero, *Samanea*, é derivado de “Saman”, o nome vernáculo de sua prima mundialmente famosa, a Árvore-da-chuva (*Samanea saman*), com quem compartilha a beleza de suas flores e o fascinante hábito de fechar suas folhas à noite. O epíteto específico, *tubulosa*, refere-se à corola em formato de tubo da flor central de sua inflorescência. Por muito tempo, foi classificada como *Calliandra tubulosa* e *Pithecellobium saman*, uma jornada taxonômica que reflete a complexa e bela diversidade da subfamília Mimosoideae.
A Samanea tubulosa é uma espécie nativa de uma vasta área da América do Sul, com uma presença marcante no coração do Brasil. Ela é uma árvore emblemática dos biomas Amazônia, Cerrado e Pantanal, sempre associada a formações florestais e savânicas. É uma árvore que molda a paisagem e a cultura, especialmente no Pantanal, onde sua relação com a pecuária extensiva é um exemplo de como uma espécie nativa pode se integrar e se tornar fundamental em um sistema produtivo. Ter uma semente de Feijão-cru é ter em mãos a promessa de cultivar uma fábrica de sombra, de alimento e de vida.
Aparência: Como reconhecer o Feijão-cru?
Reconhecer a Samanea tubulosa é se impressionar com a arquitetura de sua copa e com a delicadeza de suas flores. É uma árvore de porte médio a grande, que pode atingir de 10 a 20 metros de altura. Sua característica mais espetacular é a copa em formato de umbela, extremamente ampla e espalhada, que pode ser muito mais larga do que a altura da árvore. Esta forma de guarda-chuva a torna uma das mais magníficas e eficientes árvores de sombra da nossa flora. O tronco é geralmente curto e robusto, com uma casca rugosa e de cor acinzentada.
A folhagem é de uma beleza exuberante e de um comportamento fascinante. As folhas são bipinadas, grandes e compostas por numerosos pares de pequenos folíolos. Esta estrutura confere à folhagem uma aparência leve e plumosa. A característica mais encantadora das folhas é seu movimento nictinástico: ao entardecer, ou em dias muito nublados e chuvosos, os folíolos se dobram e se fecham, como se a árvore estivesse dormindo ou se recolhendo para a chuva, um fenômeno que ela compartilha com sua prima, a Árvore-da-chuva.
As flores são a sua jóia mais delicada. Elas se agrupam em inflorescências do tipo capítulo, que são cabeças globosas que se assemelham a um “pompom” ou a um pincel de barba. A beleza da inflorescência não vem das pétalas, que são minúsculas, mas sim da massa de estames longos e numerosos. Estes estames são bicolores, com a base branca e as pontas de um rosa-vivo ou avermelhado, criando um efeito de uma beleza etérea e deslumbrante. A floração é abundante e ocorre geralmente na primavera, cobrindo a copa com centenas destes pompons coloridos.
O fruto é a vagem do “Feijão-cru”. É um legume grande, oblongo, reto ou levemente curvo, de consistência lenhosa e de cor marrom-escura a preta quando maduro. O fruto é indeiscente, ou seja, não se abre sozinho, e contém em seu interior as sementes, que são envoltas por uma polpa adocicada e um tanto pegajosa.
As sementes são de formato ovalado, achatadas e com uma casca muito dura e de cor marrom. Elas possuem um pleurograma (uma linha em forma de ferradura) em sua superfície e são as portadoras da herança genética desta árvore tão generosa e vital para a paisagem do Brasil Central.
Ecologia, Habitat & Sucessão do Feijão-cru
A ecologia da Samanea tubulosa é a de uma espécie que prospera sob o sol e que está em perfeita sintonia com os ritmos de cheia e seca e com a grande fauna de nossos biomas. Sua casa são as savanas e florestas sazonais da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal. É uma árvore de solos bem drenados, mas que tolera inundações periódicas, sendo um elemento comum nas matas de galeria, nos capões de mata e nas savanas arborizadas.
Na dinâmica de sucessão, ela se comporta como uma espécie pioneira e secundária inicial. Seu crescimento é rápido e ela é uma excelente colonizadora de áreas abertas, pastagens e campos, onde sua copa ampla rapidamente cria um novo microclima florestal. Sua capacidade de fixar nitrogênio, como a maioria das leguminosas, enriquece o solo e facilita a chegada de outras espécies.
As interações com a fauna são um espetáculo que dura 24 horas. Durante o dia e o crepúsculo, suas flores em forma de pompom, ricas em pólen e néctar, são polinizadas por uma variedade de insetos, como abelhas e borboletas. Durante a noite, elas se tornam um ponto de atração para mariposas, especialmente as grandes mariposas-esfinge, que são atraídas pelo perfume e pela oferta de néctar.
A dispersão de suas sementes é uma parceria clássica com os grandes mamíferos (zoocoria). As vagens, duras por fora, mas com uma polpa interna adocicada e nutritiva, caem no chão quando maduras. Elas são um dos alimentos preferidos da megafauna. Antas, queixadas e veados são seus dispersores naturais. No Pantanal e no Cerrado, o **gado** assumiu este papel com uma eficiência extraordinária. Os animais comem as vagens, e as sementes, com sua casca extremamente dura, passam intactas pelo trato digestivo, sendo depositadas longe da planta-mãe, já com um adubo natural. Esta parceria com os herbívoros é a chave de sua ampla distribuição e de sua importância nos sistemas pastoris.
Usos e Aplicações do Feijão-cru
A Samanea tubulosa é uma das árvores de uso múltiplo mais importantes para a sustentabilidade das paisagens do Brasil Central. Suas aplicações vão desde a pecuária e a recuperação de solos até a marcenaria, consagrando-a como uma espécie de imenso valor econômico e ecológico.
Seu uso mais nobre e difundido é como árvore de sombra e forragem para o gado. Nas vastas pastagens do Pantanal e do Cerrado, a copa gigantesca do Feijão-cru é um refúgio vital contra o sol escaldante, proporcionando conforto térmico para os rebanhos. Suas vagens, ricas em proteína, são uma fonte de alimento de altíssima qualidade, que suplementa a dieta do gado durante a estação seca, quando as pastagens estão pobres. É uma peça fundamental para a criação de sistemas silvipastoris, que integram árvores, pasto e animais de forma mais sustentável e produtiva.
O seu valor ecológico para a restauração de áreas degradadas, especialmente pastagens, é imenso. Por ser uma leguminosa de crescimento rápido que fixa nitrogênio, seu plantio melhora a fertilidade do solo. Ao fornecer sombra e alimento, ela atrai a fauna e cria condições para a regeneração de outras espécies, sendo um motor para a recuperação da biodiversidade.
A madeira do Feijão-cru é de boa qualidade, sendo moderadamente pesada, resistente e de bela aparência. É utilizada na construção civil, na marcenaria para a fabricação de móveis e em carpintaria naval, para a construção de barcos. Na medicina tradicional, a casca da árvore, rica em taninos, é utilizada no preparo de chás como um poderoso adstringente para o tratamento de diarreias.
Cultivo & Propagação do Feijão-cru
Cultivar um Feijão-cru é um investimento em sombra, alimento e na saúde da paisagem. A propagação da Samanea tubulosa, embora exija a quebra da forte dormência de suas sementes, recompensa com uma árvore de crescimento rápido e de múltiplos benefícios, ideal para grandes propriedades e projetos de restauração.
O ciclo começa com a coleta das vagens, que deve ser feita quando estão maduras e caem da árvore. As sementes se encontram dentro da vagem dura, que precisa ser quebrada para liberá-las. A semente possui uma casca extremamente dura e impermeável, o que lhe confere uma dormência física muito forte. A escarificação é um passo obrigatório.
O método mais eficaz é a escarificação com ácido sulfúrico (um processo para profissionais) ou a escarificação mecânica, lixando-se a casca da semente até que a parte interna fique visível. A imersão em água quente também pode ajudar. Após o tratamento, a semeadura deve ser feita em um substrato bem drenado, em sacos de mudas ou tubetes. A germinação é rápida, ocorrendo em 1 a 3 semanas após a quebra da dormência.
As mudas de Feijão-cru apresentam um crescimento muito rápido e devem ser cultivadas a pleno sol. Elas são rústicas e se desenvolvem vigorosamente. Em menos de um ano, as mudas já atingem um porte excelente para o plantio no campo. A árvore pode começar a florescer e a frutificar a partir do quinto ano.
O plantio da Samanea tubulosa é ideal para a arborização de pastagens em sistemas silvipastoris, para a recuperação de áreas degradadas e como uma magnífica árvore ornamental e de sombra para grandes áreas, como parques e fazendas. É uma árvore que trabalha em favor do produtor rural e da natureza, unindo produtividade e sustentabilidade.
Referências utilizadas para o Feijão-cru
Esta descrição detalhada da Samanea tubulosa foi construída com base em fontes científicas de alta credibilidade, na rica documentação sobre a flora do Pantanal e do Cerrado e em manuais de referência sobre espécies forrageiras e de uso múltiplo. O objetivo foi criar um retrato completo que celebra a importância desta árvore tão generosa para a cultura e a paisagem do Brasil Central. As referências a seguir são a base de conhecimento que sustenta esta narrativa.
• Morim, M.P. Samanea in Flora e Funga do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em: <https://florabrasil.jbrj.gov.br/FB23141>. Acesso em: 23 jul. 2025. (Fonte primária para dados taxonômicos, morfológicos e de distribuição oficial).
• Lorenzi, H. 1998. Árvores Brasileiras: Manual de Identificação e Cultivo de Plantas Arbóreas Nativas do Brasil, Vol. 2. 1ª ed. Editora Plantarum, Nova Odessa, SP. (Fonte essencial para informações práticas sobre cultivo, usos e características gerais).
• Pott, A. & Pott, V.J. 1994. Plantas do Pantanal. Embrapa-CPAP, Corumbá. (A mais importante referência sobre a flora do Pantanal, detalhando o uso da espécie como forrageira).
• Barneby, R.C. & Grimes, J.W. 1996. Silk Tree, Guanacaste, Monkey’s Earring: A generic system for the soap-pod group of the Mimosoids (Leguminosae: Mimosoideae). Memoirs of the New York Botanical Garden, 74(1), 1-292. (A revisão taxonômica que estabeleceu o gênero *Samanea* em sua configuração moderna).
• Almeida, S.P. de, et al. 1998. Cerrado: espécies vegetais úteis. Embrapa-CPAC, Planaltina, DF. (Referência para os usos de plantas do Cerrado).
• Bentham, G. 1844. The London Journal of Botany, 3, 216. (Publicação onde a espécie foi originalmente descrita como *Calliandra tubulosa*).
















